Fez-se história ao segundo disco. Easter Everywhere estava muito à frente do acid blues de The Psychedelic Sounds of the 13th Floor Elevators e impunha-se como trabalho marcante do verão de há 50 anos.
Syd Barret e Brian Jones eram uns pobres meninos quando comparados a Roky Erickson. Dizia-se, nos seus tempos mais selvagens, que o texano era um autêntico armazém de drogas ambulante. Esteve, para que se perceba bem de quem estamos a falar, preso inúmeras vezes e chegou a estar internado num manicómio para loucos de grande gabarito, sujeito a tratamentos com eletrochoques de altíssima voltagem. Infernizava a vida de quem estava por perto, desde a família aos amigos, incluindo a vizinhança que, naturalmente, não suportava a sua incómoda presença. Conta-se também, e de nada nos serve duvidar da verdade destas histórias uma vez que é de Roky Erickson que se trata, que ligava vários aparelhos de televisão de sua casa durante a noite, quando já não havia transmissão de programas, com o intuito de conseguir captar e traduzir mensagens de extraterrestres. Será preciso dizer mais alguma coisa para entenderem o calibre deste senhor? Pois, também me parece escusado. Avancemos, então, para Easter Everywhere, discaço absoluto saído já quase no final de 1967, num frio novembro norte-americano.
O que encontramos assim de tão especial em Easter Everywhere? A resposta é fácil, sobretudo para quem há anos se habituou a tê-lo como companhia. O disco eleva a experiência psicadélica a patamares de verdadeira exceção. Abre com a enorme “Slip Inside This House” que não dura apenas cerca de oito minutos, pois na verdade nunca acaba, se a soubermos escutar com a devida pompa e circunstância. É um hino psicadélico feito e vivido por quem procurou descobrir a verdade da música sobre o efeito de doses severas de LSD. O tema de abertura e “I’ve Got Levitation” são, talvez, os maiores clássicos nele presente, ambos feitos pela pena sonhadora de Erickson. Mas o álbum não tem apenas temas do grande mentor dos The 13th Floor Elevator. Há também uma particularíssima versão de “It’s All Over Now, Baby Blue”, de Bob Dylan, cantada e interpretada como se o amanhã fosse um pântano onde nos quiséssemos todos afogar, belíssima no fraseado, no ritmo lento, dormente, uma autêntica pérola que supera, para muitos, o superlativo original do homem de Minnesota. Mas há muito mais, obviamente. Temos “Slide Machine” e “She Lives (In a Time Of Her Own)”, canção em que encontro sempre uma espécie de ponto de partida, vejam só, de algumas bem conhecidas canções dos também americanos R.E.M. Nela há também festa grossa até às tantas, tal o infernal ritmo roqueiro que apresenta. Depois, seguindo a ordem das faixas de Easter Everywhere, temos “Nobody To Love”, com aquela guitarra que marca uma vida inteira e que surge logo na abertura do tema, acompanhando-o como guia durante os seus quase três minutos de duração. Saltamos a quinta faixa, a de Dylan, uma vez que já a ela nos referimos, e avançamos para “Earthquake”, outra pedrada de ruído, melodia e ritmo. Continuamos, mentalmente falando, a muitos quilómetros de distância da Terra, up there, onde o ar tem outra espessura, muitas vezes imprópria para abusos humanos. Aterramos um pouco em “Dust”, outro fantástico momento de Easter Everywhere, mas é enganosa a descida, uma vez que em “I’ve Got Levitation” é de novo a cabeça que pede combustível para que possa emergir até ao infinito. E lá vamos nós, imparáveis, senhores do mundo, até “I Had To Tell You” (que paz, que tranquilidade quando Roky Erickson canta “Everything is quiet / But the song that keeps me sane”), que magnífico momento de absoluta leveza! Depois, o disco chega ao fim com “Pictures (Leave Your Body Behind)” e a viagem completa-se com a sensação de que algo se transformou em nós. O título, como se percebe, é bem assertivo e faz absoluto sentido.
Voltar a Easter Everywhere é sempre um prazer. Parece que paramos no tempo quando o ouvimos, ou que, melhor ainda, regressamos a um tempo onde os instantes e as medidas para o medir são outras, bem diferentes daquelas a que estamos mais habituados. Talvez seja por isso que este segundo longa duração dos The 13th Floor Elevators seja o monumento que é. Intemporal e imprescindível, sobretudo quando o verão de 2017 já se faz sentir todos os dias.