O que fazer depois de um mega-sucesso mundial, como foi Parallel Lines? A resposta não deixou margem para dúvidas: outro mega-sucesso mundial, claro! E assim foi. Eat To The Beat é a prova disso. Amo Eat To The Beat!. Ele foi o primeiro disco que alguma vez comprei e, logicamente, o meu primeiro contacto com os meus adorados Blondie.
A furiosa e irrequieta bateria no início de “Dreaming” mostrava aos mais reticentes que os Blondie estavam bem vivos e bem capazes de continuar na ribalta do pop-rock planetário. “Dreaming” é, aliás, o primeiro tema-single do alinhamento deste quarto longa duração da banda americana, canção fortíssima, e sucesso desde então. A voz de Debbie nunca pareceu tão bela como aqui, e todos os rapazes da banda estavam em grande forma. O conjunto das canções de Eat To The Beat mostra como são soberbas as melodias que os Blondie foram capazes de produzir em circunstâncias nem sempre famosas, como mais tarde se verá, e uma vez mais a magia de Mike Chapman é um ponto consensual a favor da projeção da banda. São vários os hits presentes neste trabalho de 1979. Ora tome nota: para além da referida canção que abre o disco, há ainda “Union City Blue”, “Shayla” – esta menos conhecida, mas igualmente um sucesso entre os fãs -, “Slow Motion” e “Atomic”. No entanto, outros temas são (muito) dignos de registo, como “Accidents Never Happen”, contributo total do grande Jimmy Destri, o homem das teclas do grupo, ou ainda “Die Young Stay Pretty” e “Sound-a-Sleep”, canção que tantas vezes me fez adormecer e sonhar. A vertente mais pop das canções referidas não ocupa, porém, a totalidade do disco. As mais roqueiras “”Eat To The Beat”, “Victor” ou “Living In The Real World” trazem um perfeito equilíbrio ao álbum, lembrando o facto de os Blondie, no seu início CBGBiano, serem considerados uma banda punk, embora essa definição nunca me tenha agradado. Se do ponto de vista sonoro este é mais um disco irrepreensível, Eat To The Beat esconde graves problemas que começam a avolumar-se no seio da banda. A editora Chrysalis exigia um novo hit álbum, e os Blondie deram-no. Investiu-se muito dinheiro, e Eat To The Beat foi o primeiro disco de sempre a surgir também em formato video album. Mas, para que o sucesso fosse pleno e total, a banda precisava de estar cada vez mais unida e a remar para o mesmo lado do imenso oceano do mercado musical, coisa que não se verificava devido aos enormes egos que começavam a criar problemas de relação entre todos eles. O grupo fraturou-se em pequenos subgrupos: Debbie e Chris (o casal da banda) estavam unidos, Jimmy Destri e Clem Burke assumiam uma outra fação, havendo ainda espaço para um terceiro par, Frank Infante e Nigel Harrison. No entanto, e surpreendentemente, esses egos divididos foram capazes de fazer o disco mais luminoso e pop de sempre dos Blondie, levando a banda a experimentar ritmos e géneros que surpreenderam a crítica, uma vez mais rendida ao charme musical da banda. Mike Chapman teve um difícil trabalho neste Eat To The Beat, e sabe-se que discutia com os membros do grupo durante todo o processo de gravação do álbum. Outro facto desse período veio ainda tornar as coisas mais complicadas, mas de certa maneira (musicalmente falando) também mais fascinantes: a relação dos Blondie, e principalmente de Chris e Debbie, com o Studio 54, de Andy Warhol, mexeu com a cabeça de todos. Foi importante, em termos artísticos, essa relação com o universo warholiano, embora tenha sido também por aí que as drogas chegaram em força. Os Blondie viviam uma vida dupla. A relação problemática e evidente entre todos os seus membros parecia, no entanto, não existir nas páginas dos media. Em “Living In The Real World”, canção de uma ironia pessoalíssima e bastante catártica, Debbie canta “Every day you’ve got to wake up / And disappear behind your makeup” ou “Hey, I’m living in a magazine”, acabando mesmo por quase gritar, em pleno refrão, “I’m not living in the real world / I’m not living in the real world”, o que torna tudo bem mais assustador. A canção e os versos são de Jimmy Destri, mas espelham bem a vida artificial de todos.
Por todas as circunstâncias referidas, o disco Eat To The Beat é um autêntico milagre, uma vez que o caos reinante no interior da banda levava a crer que não seria possível concretizá-lo. Mas esse perigo não se concretizou, e o disco tornou-se tão icónico como o anterior Parallel Lines. Ainda hoje, Eat To The Beat parece não ter envelhecido. Está forte e firme, prova evidente do que dizia Italo Calvino, referindo-se aos clássicos da literatura: “um clássico é um livro que nunca acabou de dizer o que tem a dizer.” E, acrescento eu, se essa verdade é válida para os livros, também o é para os discos.