Meghan Remy está de volta com o seu projeto U.S. Girls. Traz algumas novidades de forma e de estilo. Tudo isto em In a Poem Unlimited, álbum que vale bem a pena ouvir.
A banda U.S. Girls já anda nesta vida há oito anos. Mais até, muito provavelmente. No entanto, o número aqui apresentado apenas diz respeito à sua atividade discográfica. Meghan Remy, nascida nos Estados Unidos da América mas há já algum tempo a residir no Canadá, é a voz, a cabeça, o tronco e ambos os membros do projeto que agora nos faz chegar o seu oitavo trabalho. Dá pelo bonito nome de In a Poem Unlimited, e é o segundo álbum editado pela sempre importante 4AD. Se a gravação anterior, a primeira feita na etiqueta londrina, nos oferecia um som semelhante ao que Meghan vinha fazendo, o título de 2018 traz algumas subtis (ou talvez não tão subtis assim) novidades, sobretudo no que concerne a um som que se pretende mais mainstream, embora nunca deixando a sua vertente crua e experimental. A vida custa a todos, pelo que entendemos a relativa cedência operada por Meghan Remy no decurso do trajeto de U.S. Girls. Está, dizemos nós sem qualquer tipo de concessão, perdoada, principalmente porque se saiu bem no enredo das onze canções de In a Poem Unlimited.
O disco abre com “Velvet 4 Sale”, canção sedutora mas pouco marcante, escolha algo estranha para abrir um disco que pretende mostrar algumas diferenças em relação aos anteriores. O mais interessante aqui talvez seja o som sujo e estridente das guitarras lá mais para o final da canção. Essa estridência continua em “Rage of Plastics”, tema bem mais interessante, muito bem trabalhado e mais orelhudo. Ótimos momentos de saxofone, bom ritmo, a cunhar o primeiro grande momento do álbum. Daria um single interessante, na nossa opinião. Depois vem “M.A.H.” (sigla para Mad As Hell), e é aqui que chega a grande surpresa! Os segundos que abrem e encerram a faixa fazem lembrar Blondie (“Heart of Glass”, talvez?) e tudo na canção se torna dançável. A imaginação, se a tivermos fértil, poderá levar-nos até uma qualquer cave de um qualquer clube novaiorquino dos anos oitenta, com bola de espelhos giratória pendurada no teto e tudo. Uma autêntica festa! Seguindo caminho, temos em “Why Do I Loose My Voice When I Have Something To Say” apenas um (primeiro) interlúdio rouco em menos de trinta segundos, que acaba por ir desaguar a “Rosebud”, tema que faz de novo algum apelo ao abanar de pernas, de ancas, do corpo por inteiro. Em “Incidental Boogie” o assunto torna-se sério e o som mais denso. É uma canção que aborda o abuso físico sobre as mulheres, o que reforça a ideia de este ser um álbum de protesto. Nele fala-se de guerra, de violência, de política…
Estamos a meio do disco, e o balanço faz-se realçando a diversidade rítmica e melódica que nele encontramos. São todas muito diferentes entre si, as canções. Essa diferença manter-se-á até ao final do álbum, e na mistura apresentada encontramos soul, funk, disco, trip-hop, noise rock e até algumas pitadas de jazz. É muito para um disco só? Talvez, mas a multiplicidade, mesmo quando algo excessiva, também pode revelar alguns encantos, desde logo pelo facto de In a Poem Unlimited ser um disco que não cansa e que, em repetidas audições, nos vai surpreendendo com algumas pequenas descobertas, como a que revela semelhanças vocais entre Meghan Remy e Kate Bush no tema de abertura, por exemplo.
Mas continuemos. Na segunda metade do álbum encontramos “L-Over”, que começa com estranhos ruídos mas que vai evoluindo, tornando-se um engraçado tema pop a la Cindy Lauper, embora para melhor. Segue-se “Pearly Gates”, boa canção com um marcante ritmo de fundo, meio escondido, feito por sintetizadores. “Poem”, o nono tema do disco, reforça a importância e a presença das teclas no álbum. É outro bom momento pop a anteceder “Traviata”, segundo brevíssimo interlúdio falado a duas vozes, até que surge “Time”, a finalizar o trabalho. Pode dizer-se que o melhor ficou para o fim. “Time” é um excelente e enérgico tema, o mais longo do álbum (quase oito minutos) e soa a rock, a kraut, a jazz, e é uma autêntica bomba rítmica. Excelente fatia instrumental dada pelos Cosmic Range, banda que acompanha Meghan Remy ao longo desta sua nova e grande aventura.
Interessante, este regresso mais solto e multifacetado de U.S. Girls. Talvez com ele venha um público maior e também mais airplay. Talvez tenham sido mesmo essas as intenções reais de In a Poem Unlimited.