Os The Pretenders deram show e mostraram que estão aí para as curvas! A noite de Oeiras fez-se de rock puro, sem confettis à mistura.
Segundo dia, segunda dose dupla de concertos na décima quarta edição do EDP Cool Jazz. Mudança estratégica de local: em vez dos tradicionais Jardins do Marquês de Pombal, espaço mais vezes utilizado para acolher os espetáculos deste Festival, o Parque dos Poetas, mais concretamente o Estádio Municipal de Oeiras. A razão da alteração é simples. O espaço teria de ser maior para se receber The Pretenders, que já não pisavam solo luso desde 1999, quando se apresentaram no Festival de Vilar de Mouros, bem como no Coliseu dos Recreios, a 11 de novembro do mesmo ano. Para além da banda anglo-americana, também Rita Redshoes marcou presença para mostrar, entre outros, alguns dos temas do seu mais recente trabalho, Her. A noite era de mulheres, como se percebe. Rita Pereira vs. Chrissie Hynde. Gerações diferentes, modos também diversos de encarar a pop e o rock. A primeira é quase exclusivamente nossa, a segunda pertence ao mundo, particularmente ao dos melómanos que a acompanham desde os tempos de Pretenders, álbum que surgiu no último ano da década de setenta. Por isso, pensando nessa distante data, não se estranhou a média de idades do público que ontem se fez a caminho do recinto do concerto, desafiando as hipóteses de chuva propaladas por quem se encarrega dessas adivinhações, que mais uma vez foram ao lado. Mas vamos lá ao que se passou, sem mais demoras.
Rita Redshoes começou ao piano, passando depois à guitarra. Nós, que conhecemos bem o seu trabalho, continuamos a manter sobre a artista a mesma ideia. Soa melhor quando se aproxima do rock, quando foge à pop mais baladeira que muitas vezes é a sua imagem de marca mais notada. Mas a voz e a presença são as de sempre, apuradas e certeiras. Rita RedShoes trouxe uma banda de seis elementos. Com ela, sete músicos em palco, com destaque para uma ótima secção de cordas. A par das suas habituais canções, surpreendeu-nos com uma excelente cover de “Ain’t Got No / I Got Life”, lembrando, antes de a iniciar, a grande Nina Simone. Durante quase uma hora, Rita Redshoes foi lutando para cativar uma plateia que estava, sobretudo, com vontade de ouvir os The Pretenders. A tarefa, como se perceberá, não foi fácil. Muita conversa entre o público enquanto decorria o espetáculo, público esse que mostrou uma vez mais essa irritante tendência de ir a concertos com outra preocupações e vontades que não a de ouvir música. É o convívio, as selfies, os brindes de copos a transbordar de cidras da moda. Enfim, é o que vamos tendo. O espetáculo de Rita RedShoes também não foi, convenhamos, muito cativante. Faltou garra, faltou vibração, aspetos que a cantora vai contrariando com a sua bem medida dose de elegância e charme.
Até que o mais esperado momento chegou. Os The Pretenders subiram ao palco, e nesse instante o filme mudou por completo. Até porque com a senhora Chrissie Hynde há mais qualquer coisa para além da música. Há todo um passado a que regresso quando a ouço, o que até me faz mudar a pessoa do discurso destas linhas. Substituí o “nós” pelo “eu”. Coisa inevitável, uma vez que vivi o aparecimento da banda, back in the days. Como vivi o aparecimento dos Talking Heads e dos Blondie, por exemplo. E, portanto, havia muito mais em jogo do que um simples concerto. Mas don’t get me wrong, que eu tentarei ser fiel ao que os The Pretenders apresentaram ontem em Oeiras. E por isso sintetizo já a ideia: foi um concerto de rock à antiga, sem plasticidades de cenário ou luzes. Seis rockers em palco, fundo em pano preto e uma senhora com 65 anos de t-shirt preta sem mangas com o nome Elvis gravado a branco. E atitude de frontwoman inatacável. Muita atitude mesmo, sem peneiras ou poses descabidas. A simplicidade dos grandes não se mede de outra maneira que não esta. Começaram com o tema título do mais recente disco, Alone, e seguiram com “Gotta Wait” e “Message of Love”, sempre ruidosos e nada contidos. Chrissie Hynde dominou o palco, não parou quieta um segundo. Energia e riffs de guitarra por todo o lado. “Isto é um concerto de rock. É para isso que cá estamos”, disse a eterna Pretender. A certa altura tocaram duas canções de outro grande, Ray Davies, as muito conhecidas “Stop Your Sobbing” e “I Go To Sleep”, temas antigos mas que duram intactos até hoje. O que se pode pedir mais? Até os The Kinks estiveram presentes em Oeiras pela voz de Chrissie Hynde! Houve um curioso e inesperado momento de name dropping: Moreno Veloso, Kassin, Domenico Lancelotti e Caetano Veloso foram referidos por Chrissie Hynde, que em 2004 morou no Brasil. Mais uma vez, os grandes acabam por se encontrar!
O concerto foi uma espécie de aula clássica e crua de rock. Seria bom que muitas bandas atuais bebessem destas águas e aprendessem o difícil ofício de como fazer rock com a dignidade ontem apresentada em palco por Chrissie Hynde, otherwise she will kick your fukin’ asses! Claro que todos os hits foram tocados, claro que foram muitas as vozes a cantar em coro canções como “I Stand By You”, para dar apenas um exemplo. Mas o que essa massa de gente não sabia, e não soube até agora, é que Chrissie Hynde tocou sobretudo para mim. Aquele “You” do título da canção era eu. Mas sobre isso é melhor não dizer mais nada. São coisas que só a mim e à senhora Hynde dizem respeito. Rock on, Chrissie Hynde! Rock on!
Fotografias gentilmente cedidas pela organização