Em 2007 os Animal Collective já tinham passado as fronteiras de fenómeno de nicho e, lentamente, faziam o seu caminho rumo ao reconhecimento generalizado e aos corações da comunidade melómana. Contudo, este foi um ano importantíssimo para o grupo de Avey Tare (aka Dave Portner), Panda Bear (aka Noah Lennox), Geologist (aka Brian Weitz) e Deakin (aka Deacon aka Josh Dibb). O lançamento de Person Pitch, o terceiro álbum a solo de Panda Bear, apanhou a crítica de surpresa, que lhe teceu todos os elogios possíveis e chamou a atenção para o que se viria a seguir na cronologia universal da banda – Strawberry Jam, o sétimo LP da banda. A pop experimental e a inovação sónica que os 43 minutos deste álbum encerram foram muitíssimo bem recebidas, o que levou ao alargamento da base de fãs dos rapazes de Baltimore. Em retrospetiva, entende-se que a mudança presente neste álbum a nível da música da banda representava a transição para aquele que é, até hoje, o seu álbum mais conhecido e bem sucedido – Merriweather Post Pavilion, de 2009. Mas viremos o foco para o álbum que interessa hoje.
Tendo em conta o que os Animal Collective andavam a fazer nos anos que precederam Strawberry Jam, de Feels para este LP operou-se uma mudança enorme na roupagem das canções do coletivo de Baltimore. As guitarras passaram a constituir o segundo plano da maioria das músicas, entregando a hegemonia instrumental aos teclados e a samples. Neste álbum, é Avey Tare que canta a maioria das músicas, embora nunca chegue a parecer que é ele que detém o poder criativo da banda – as contribuições de Panda Bear são evidentes a nível da produção (que relembra a de Person Pitch) e, claro, nas duas faixas em que é o cantor principal; Deakin empresta as texturas das suas guitarras a Strawberry Jam; Geologist, como sempre, oferece-lhe os efeitos e “coisas estranhas” que preenchem, enchem e expandem o espaço sonoro. Isto tudo acaba por se misturar e formar um cocktail de cores e sabores que soa exatamente ao que a capa e o nome do disco sugerem. Contudo, é a voz de Avey Tare que nos vai dar a beber tão curiosa e bela bebida, prendendo-nos a estas terras de sonhos que os Animal Collective fazem questão de criar música após música. Chegados ao fim do álbum, demos uma volta num mundo mágico, com nuvens de muitas cores, relva muito verde e seres muito estranhos, quase sem darmos por isso.
Neste lugar de utopia, encontramos algumas das melhores faixas do reportório de Avey Tare, Panda Bear, Geologist e Deakin. A diferença de Strawberry Jam para o seu predecessor torna-se evidente logo nos primeiros segundos de “Peacebone” – alguém diz “Bonefish” e de imediato explodem teclados ao desvario. Sobre esta faixa, disse Avey Tare à BBC: “nós queremos jogar com os vossos ouvidos em termos de cores e espaço, através do som”. De facto, instrumentalmente é uma música muito colorida, em que os sintetizadores vão produzindo floreados que encontram sentido na melodia da voz de Avey.
O jogo de sons continua e em “For Reverend Green” encontra novos caminhos. Uma guitarra com um tremolo a lembrar “How Soon Is Now?” dos Smiths começa a desvendar uma faixa que vai crescendo lentamente; depois uma bateria forte e marcada e os teclados ajudam a criar uma tensão invisível, mas que a voz de Dave Portner vai espelhando na forma como, genialmente, vai oscilando entre um cantar melódico e um grito catártico. Entre crescendos e explosões de sentimento, a faixa vai sendo conduzida até ao seu epicentro emotivo – como um mantra, Avey Tare repete, e a cada vez mais alto, “For reverend green”, que na verdade parece “Forever and green”. Um grito de juvenilidade feito para abalar o nosso mundo cinzento e seco. Sem paragem, a música segue para o segundo single deste LP, “Fireworks”. Nela, a letra é a de uma canção sobre amor pelas coisas simples (“It’s family beaches I desire, a sacred night where we’ll watch the fireworks”), quase que uma celebração das mesmas, “contaminadas”, contudo, pela dúvida e perda, que tornam difícil delas tirar prazer. É o relato de como a criança dentro de nós nunca morre; ela continua a manifestar-se nestes pequenos desejos, mas é corrompida por aquilo a que o mundo a expõe e passa a ser difícil encontrá-la. Este é um sentimento complexo a que o instrumental responde com algumas das mais belas harmonias presentes no reportório do coletivo.
O mundo fantástico encerrado em Strawberry Jam é confrontado algumas vezes com o toque da realidade – em “Fireworks”, Avey debate-se com a simplicidade de certas coisas e do quão difícil pode ser, para quem já não é a criança sempre a ser surpreendida pela vida, aproveitá-las; em “Winter Wonder Land”, acompanhada por um instrumental cheio de energia e alegria, é entregue uma mensagem muito simples – só por ignorares algo não quer dizer que não esteja lá (“If you don’t believe it’s raining I won’ tell you that it’s raining / But do you not believe it’s raining just because it gets you down?”).
“Cuckoo Cuckoo” consegue, nos seus quase seis minutos, encerrar quase toda a loucura de um álbum que é bastante frenético. Da aparente acalmia de um sample de uma composição para piano de Franz Liszt salta-se, de um segundo para o outro, para uma sinfonia de uma bateria agressiva, vocais arrepiantes que gritam “I’m going cuckoo, we’re all going cuckoo” e tudo o que mais possa contribuir com barulhos alienígenas, só para depois tudo se apagar e deixar novamente sozinho o belo piano.
O álbum culmina em “Derek”, cantada por Panda Bear. À semelhança de “Chores” (interpretada pelo mesmo músico), apresenta uma sonoridade soalheira emprestada pelo oeste africano, mas passada pelo filtro de alguém que passou horas a fio a estudar as harmonias e melodias dos californianos Beach Boys e a produção de Phil Spector. No caso da primeira faixa, uma guitarra que parece ser tocada debaixo de água encontra a voz de Noah Lennox e, juntando-se-lhes depois uma secção rítmica triunfante, vão até ao fim do álbum, que termina com uma certeza e uma pergunta: “You can count, / when you count, / count on me” e “What do you / see when you / see inside of me?”
Panda Bear disse, sobre o título do álbum, que este surgiu quando, num avião, ao abrir um pacote de compota de morango, se apercebeu de que era como aquela coisa “reluzente, sintética e futurista” mas ao mesmo tempo “doce e quase agressiva no seu sabor” que queria que a produção de Strawberry Jam soasse. E se soa – o álbum é frenético e elétrico, mas adocicado e radiante. É a moca de açúcar que quatro amigos quase nos seus trintas (despidos, portanto, da inocência que marca a fase inicial da vida), apanharam para recordarem a sua infância/juventude. Ainda bem que o fizeram; o resultado é o que se ouve em Strawberry Jam – as crianças cresceram, ganharam responsabilidade, outra perspetiva do mundo e, sem nunca trair esses tempos mais puros e inocentes, reinventaram-se e evoluíram de um modo brilhante e genial.