Há um certo sabor desconcertante no que toca aos Animal Collective. Com cada álbum, cada música, cada refrão torto, cada letra sem sentido, cada batida ressoante que provoca no mais primário ser humano uma vontade incontrolável de dançar sem saber como, cada melodia escrita e cantada do avesso causam uma certa comichão. Mas é uma comichão agradável, mesmo que as nossas cabeças não consigam captar porquê. Todas as sensações do género deviam entranhar-se debaixo da nossa pele como invasores indesejados. No que toca a Animal Collective, é uma invasão deliciosa e inesperada à qual cedemos mesmo sem compreender. Podemos oferecer alguma resistência, mas acabamos por cair de bruços sobre a sua maravilhosa investida que vai contra tudo o que nos ensinaram sobre o que são ou deixam de ser estes ruídos articulados aos quais chamamos música.
Começar pelo princípio quando se fala de uma banda cujo produto parece vir todo ao mesmo tempo: vamos. Quatro estranhos amigos de infância juntam os pés, as mãos e a droga numa explosão delirante de ruídos difíceis de descrever em termos técnicos (talvez nos possamos aventurar a chamá-los uma espécie de neo-folk ou noise pop electrónico; julgo mais fácil chamá-los música que não chega a ser música por ser música demais, música para a qual talvez não estejamos prontos). Não há cá simplicidades. Ao longo de nove álbuns (!!!), desde o remoto ano de 2000, o seu som foi-se esbatendo, evoluindo, entroncando, embrenhando na sua estranheza remota, agregando curiosos e revoltados. Hoje em dia, as opiniões diferem. Voltemos atrás uns anos.
Tinham já cinco álbuns na manga, cada um mais peculiar que o outro, quando em 2005 lançaram Feels; provavelmente o seu primeiro grande cunho no mundo da música mais amplo, que gerou burburinho e que os lançou de braços esticados para uma maratona de trabalhos bem sucedidos. No entanto, não é o sucesso do disco, como aliás nunca é, o determinante da sua qualidade. Esta prende-se num encanto esotérico que pinga de cada nota e cada palavra deixada escapar da boca de Noah Lennox.
Melodias quase infantis com letras cuja simplicidade as acompanha de mão dada vêem-se untadas por um som de guitarra particular conseguido graças a uma afinação pouco convencional, palavra que poderia, aliás, descrever perfeitamente o som de todo o álbum. São músicas como a irresistivelmente alegre «Did You See The Words», ou a beleza melancólica de «Flesh Canoe» ou a estranheza indecifrável de «Loch Raven» que nos fazem esquecer a tentação de desistir destes barulhos bizarros e aceitar que nós próprios somos bizarros o suficiente para pelo menos tentar deixá-los entrar.
Feels é o álbum mais mágico de todo o mundo porque nunca ninguém o vai conseguir compreender, pelo menos totalmente. Num mundo no qual parece existir uma relação quase imediata e informal entre o artista e o ouvinte, a distância feroz que os separa neste caso e que os coloca a léguas um do outro não deixa de ser admirável. Apreciamos de longe como quem aprecia um tigre enjaulado. É uma constelação de estranheza que, a quem não repulsa, atrai fatalmente. É uma força da natureza, é uma manifestação de som e atmosfera que nos incomoda e arrepia como um pesadelo a soar a sonho. Tal como o nome indica, não se limita a som. É um álbum de sensações. É um correr descalço pela relva. É um correr descalço pela areia molhada beijada pela espuma das ondas. É um correr descalço pelo soalho da casa numa manhã de verão. É o sonho que namoramos ao acordar. É o acordar que namoramos ao sonhar. É uma nostalgia que se prende às paredes do estômago como uma má disposição mal resolvida. É uma saudade de algo que não chegou a acontecer. É triste. É feliz. É feio. É bonito. É um ouvir assustado. Um ouvir comichoso. Uma comichão.