
Há algum intérprete português que tenha um lugar especial no vosso imaginário?
PR: O Zeca Afonso tem sempre, como intérprete que foi, um lugar.
RA: O António Variações.
PR: O Zeca no sentido em que a maneira como várias pessoas – que temos conhecido e que trabalharam com ele – falam dele nos arrepia.
RA: O próprio José Fortes já o gravou.
PR: Há um misticismo há volta dele…
RA: Um respeito enorme.
PR: Pela pessoa que ele era, uma coisa muito forte. Quando falam do Zeca…
RA: Preferem nem falar muito tempo.
PR: Ficam logo emocionados. É um peso enorme, como a morte dele foi uma coisa muito rápida e ninguém estava à espera.
RA: O Zeca por todos os motivos e mais alguns, mas o António Variações é muito importante. Não que o ouçamos todos os dias mas saber que, num povo conservador como o nosso, as pessoas não falam dele como um – permite-me a expressão – «paneleiro», mas sim como um artista… Ele conseguiu quebrar essa barreira num país extremamente conservador. É de facto uma proeza nunca alcançada por nenhum outro intérprete português. Mas temos muitos outros. À Amália, embora não gostemos particularmente do fado, jamais lhe podemos negar a importância.
PR: Temos o Fausto, também.
RA: O Fausto, o José Mário Branco, o Paulo Bragança… Mas assim em termos de intérpretes, o Zeca. Também gostamos de muitas bandas recentes, mas é diferente.
Alguma com quem gostariam de colaborar?
RA: Sim, gostaríamos muito de colaborar com os Ermo.
PR: Sim, os Ermo. São uma coisa… Não sei até que ponto iria resultar, mas…
São coisas muito opostas…
PR: Exacto.
RA: Só por ser tão oposto é mais que certo que iria resultar. (risos)
PR: Gostamos muito do trabalho deles. Saber a idade que eles têm e fazerem o que fazem…
RA: Os Colibri também. Conhecemos a música deles através do Novos Talentos Fnac e decidimos utilizar uma pequena parte da música deles no vira do Minho, sendo eles também de Braga (do Minho).
PR: Com os Ermo, já há uma relaçãozinha. Fomos tocar a Braga há dois anos, a uma espécie de casa cultural, parecida com uma casa de ocupas.
RA: Chamava-se Projectil.
Eles têm uma música sobre esse sítio.
PR: Exactamente. E o projecto é do Moca, que estudou nas Caldas da Rainha. Nós conhecemo-nos todos e então fomos tocar ao Projectil. Estavam cinco pessoas, não muito mais que isso. Quando passámos o chapéu, estavam lá dois miúdos que pediram imensa desculpa por não terem dinheiro, ficaram super envergonhados. Viemos a saber agora no Bons Sons, quando fomos falar com eles, que eram eles os dois que estavam naquele concerto. (risos)
RA: Também gostamos muito do que o B Fachada tem vindo a fazer, é de facto importante.
PR: Vai existir, em princípio, uma colaboração com o José Valente, que também é da Murmürio, mas está ainda em processo de realização.
Agora a parte parva da entrevista: sabiam que há um rapper de Brooklyn chamado Lavoisier?
PR e RA: Sabíamos. (risos)
PR: Sabíamos porque às vezes temos likes estranhos no Facebook que nos fazem perguntar como é que nos conheceram.
RA: Exacto, com o cap para o lado. (risos)
PR: E pronto, depois ficámos saber do rapper «terrorista».
RA: Também sabemos que há uma clínica no Brasil chamada Lavoisier. Já sofremos três ou quatro queixas indignadas a reclamar do serviço.
PR: Também há pessoas que gostam da página porque pensam que é mesmo sobre o Antoine Lavoisier.
E uma colaboração com o rapper, poderia acontecer? Um Lavoisier transforma Lavoisier?
PR e RA: (risos) Não é bem a nossa onda.
RA: Mas temos medo de represálias, que ele venha aí com o seu gangue e nos meta cinco balas no peito. (risos)
PR: Por falar em likes estranhos… Quando saiu a música «De Eus para Mim» no Novos Talentos Fnac, enganaram-se no nome e começámos a ter likes de algumas pessoas e grupos religiosos.
RA: Foi por causa disso e dum programa de televisão em que o tema apareceu como «De Deus para Mim».
PR: Mas pronto, venham os likes. (risos) Seja do que for.
E pode ser que assim descubram uma coisa que não esperavam…
RA: Exactamente, e que se convertam à nossa religião.
Planos para o futuro, além da colaboração com o José Valente?
RA: Há que começar a trabalhar no novo álbum. Temos muitas músicas originais a aparecer que merecem a nossa preocupação e atenção. Foi bom fechar este capítulo – as músicas populares portuguesas vão continuar a aparecer mas surgiram originais nos quais queremos trabalhar.
PR: Temos muita vontade de fazer outro tipo de trabalho de estúdio. Este disco que saiu é muito à base do take directo – duas vozes, a guitarra e é isso. Temos muita vontade de explorar as possibilidades que o estúdio tem. Pôr quarenta vozes, trinta guitarras, reverses e mexer naquilo tudo…
RA: O EP que fizemos já tem um bocadinho disso mas tudo nele foi gravado num estúdio com microfones de 100€ e o Fortes é que fez os milagres possíveis de pôr aquilo audível. Nós tínhamos a ideia mas aquilo estava muito badalhoco.
PR: Com tempo, sem pressão. Perceber se entrarão outros instrumentos, outros músicos…
RA: Transformar o projecto em algo maior, eventualmente ter mais gente em palco.
PR: Tivemos um programador que trabalha com o Kinect que foi a um concerto nosso e pensou em associar os meus gestos a imagem ou mesmo até fazer sons a partir deles. São projectos que andam aí, que se podem realizar em residências artísticas.
RA: Acho que o futuro é a vontade que temos de apostar.
Uma última pergunta: porquê projecto 675?
RA: É simples. Cada vez que íamos para a carrinha do José, ele tinha lá o computador e tinha uma pasta chamada «trabalho 675». Então, cada vez que ele clicava ali éramos nós que lá estávamos. O 678 era o que ele estava a desenvolver com o José Alberto Sardinha, o 400 e não sei quê era uma ópera que ele tinha gravado no S. Luiz… Nós olhámos para aquilo e achámos tão bonito o legado dele continuar, o trabalhar a música portuguesa e continuar activo… É muito mais uma homenagem do que uma coisa forte em conceito.
PR: E o trabalho 675 é só da era digital, ele já fez muito mais.
RA: Depois procuramos muitas razões, muitos sentidos. Um deles é que um trabalho etnográfico ou etno-musicólogo reside sempre na base de dados. Vai-se a Loures ou a Trás-Os-Montes e: «canção nº não sei quê». Então também tem esse registo matemático do «versão 3/4/5 da Senhora do Almortão de Idanha-a-Nova». Tinha muito aquele cariz de dados. Fazia sentido. Escolhemos o nome antes e demos depois uma razão. Mas principalmente pela homenagem ao José Fortes. Depois ele disse-nos que não tinha as pastas como «projecto» mas sim como «trabalho», mas já estava impresso. E ficou projecto 675. Até porque não está lá nenhum tema que não seja de cariz tradicional, além do «Acordai». Então faz de conta que é uma recolha de temas tradicionais.