É sempre um bom dia quando nos debruçamos sobre um belo disco desta bela banda. Acompanhem-me então por este I Am Not Afraid Of You And I Will Beat Your Ass adentro.
Comecemos então, pelo início – o início do décimo primeiro disco da banda de Hoboken, Nova Jérsia, é simplesmente arrasador. A linha de baixo de “Pass the Hatchet, I Think I’m Goodkind”, repetida até à exaustão, carrega os devaneios de Ira Kaplan durante 11 minutos infernais. Nenhuma banda colocaria um autentica trip psicadélica destas como arranque de álbum – já os Yo La Tengo fazem-no com orgulho, com o mesmo orgulho que a colocam em versão extendida (16/17 minutos) no alinhamento de sets de festival, onde só dispõem normalmente de 50 minutos. Convenhamos que não são, de todo, uma banda convencional. E isto tudo para logo a seguir fazerem uma viragem de 180 graus e nos atirarem “Beanbag Chair”, melódica e doce na voz, mas frenética na batida do bombo e no piano que lhe dá estrutura. Se a estas acrescentarmos “I Feel Like Going Home”, tranquilidade pura na voz de Georgia Hubley, violino e piano clássico a acompanhar, temos perante nós, definitivamente, uma banda cujo nome do meio é versatilidade, em todo o seu esplendor. Nunca foi tão bem demonstrado aquele sentimento de fim de viagem, de só querermos mesmo um duche na nossa casa de banho e dormir na nossa cama como aqui. E que saudades temos, nos tempos que correm, de ter esse sentimento…

Summer Sun (2003), álbum anterior a este, tinha sido uma desilusão entre os fãs. Carregava o pesado fardo de em dez anos a banda ter editado quatro discos inatacáveis (Painful (1993), Electr-O-Pura (1995), I Can Hear the Heart Beating as One (1997) e And Then Nothing Turned Itself Inside-Out (2000)) e ficou aquém das expectactivas criadas pelos mesmos, principalmente por ser calmo demais. Talvez daí tenha vindo a decisão de colocar logo “Pass the Hatchet…” a começar este disco – querem barulho, cá vai disto!
Como facilmente concluem, a banda é também ultra inventiva na escolha de nomes para os seus discos, sendo que I Am Not Afraid Of You And I Will Beat Your Ass, foi baseado numa troca de galhardetes, com estas mesmas palavras apanhadas pelos microfones, entre dois jogadores de basquetebol dos Knicks, durante um jogo. Com colegas assim…
I Am Not Afraid Of You And I Will Beat Your Ass forma como que uma espécie de bumerangue, no sentido em que arranca com o devaneio já acima mencionado e no final volta a esse registo, encerrando com outra trip de 11 minutos de “The Story of Yo La Tango” (e é mesmo Tango com a, não é gralha, ficou assim por muitas vezes a banda ser anunciada com esse nome, errado). Pelo meio, nos restantes 60 minutos, deambula pelo amplo espectro do que pode ser considerado o rock, jogando como mais ninguém com a sua sensibilidade melódica e seu lado noise, experimentando resquícios de British Invasion (“I Should Have Known Better”, “Watch Out for me Ronnie”), rock alternativo (“The Room Got Heavy”) e ainda um lado mais introspectivo e delicado (“Sometimes I Don’t Get You” e “Song for Mahila”). Os instrumentos também vão mudando de mão, até a voz é partilhada pelos três membros Ira, Georgia e James em diferentes canções. E mesmo a meio do disco existe uma espécie de alien – “Daphnia”, puramente instrumental, nove minutos, boa para nos desligarmos de tudo e deixarmo-nos simplesmente ir.
Se chegaram aqui e estão a pensar que sou um exagerado do cacete, é possível que sim, mas entrar no universo dos Yo La Tengo é para mim entrar num campo para o qual fui sugado e no qual o sentimento dominante é o deslumbramento, perante a versatilidade única deste trio. Eles continuam por aí, a fazer música nova, a dar concertos incríveis, e já levam 36 anos de carreira. Panteão com eles, já!