E ao sexto álbum os Yo La Tengo fizeram o seu verdadeiro primeiro álbum, palavras do próprio Ira Kaplan.
E emite estas palavras porque de facto foi ali, no ano de 1993 e 9 anos após Ira e Georgia terem formado a banda, que se conjugaram as variáveis para que os Yo La Tengo chegassem a outro patamar – foi a estreia pela editora Matador Records, que garantiu uma maior distribuição; foi o primeiro disco com o produtor Roger Moutenot; e por fim, foi o primeiro disco como um trio de corpo e alma, integrado que foi efectivamente o baixista James McNew. Todas estas variáveis mantiveram-se nos 20 anos subsequentes, permitindo à banda de Hoboken, Nova Jérsia, criar um portfolio indispensável e tornar-se uma referência no panorama da música alternativa. Painful foi o (delicioso) gatilho.
“Big Day Coming” (versão soft) serve de couvert deste repasto que está prestes a ser servido. Um ambiente sonoro vasto, para o qual somos sugados e onde nos tornamos inertes perante o ritmo melancólico e tranquilo do música, nem nos apercebendo do conflito entre som e letra, na qual a ansiedade pelo tal “big day” é premente. Quando estamos completamente adormecidos eis que arranca um riff arrasador seguido da sua própria reverberação que, a cada verso que passa se torna mais e mais esparso e agressivo. Eis “From a Motel 6” uma das grandes músicas dos anos 90, contrabalançando o tal riff em silêncio com os versos cantados na melódica voz de Georgia Hubley e que retratam um progressivo distanciamento numa relação. O desprendimento já chega a ponto de
“Oh no, your heart is broken
Don’t you think that’s a little trite?”
para mais à frente
“Oh no, your heart is broken
Well, you can have what’s left of mine”
O sentimento de estar perto fisicamente mas distante emocionalmente é arrasador.
“Double Dare” é rock visceral, à la Sonic Youth, mais um grande momento do álbum. “Superstar-Watcher” é um bom interlúdio sonoro para regressarmos à calmia e melancolia que é, no fundo, a alma deste disco. O nome do mesmo diz tudo, portanto ninguém se pode queixar de ser apanhado desprevenido. O casal Georgia e Ira são dos poucos casais em banda que conseguiram colocar na sua música o lado emocional da relação. Não que todos os momentos relatados sejam autobiográficos, mas conseguem mesmo assim fazer passar o sentimento que está por trás de cada situação criada nas suas letras. Sempre a ritmo do baixo de McNew, e permitindo os normais desvarios à guitarra de Kaplan. De que outra forma se conseguiria cantar uma música de nome “I Was the Fool Beside You For Too Long”, de 5 minutos com pouco mais que isto na letra?
Ir buscar artistas refundidos e fazer covers incrivelmente diferentes é também uma das marcas patenteadas pelos Yo La Tengo. “The Whole of the Law” é um original de uma banda inglesa The Only Ones, perfeitos desconhecidos. Depois há “Big Day Coming” (versão hard), onde há maior sincronismo entre mensagem e ritmo da mesma, mas que a meu ver não consegue fazer esquecer a inicial. E fechamos com chave de ouro – “I Heard You Looking”, instrumental de 7 minutos que passam num instante e resumem tudo sobre o que é estar num estado de uma relação inerte, desconexa, corações partidos, dolorosa. Happy Valentine’s Day.