Nunca a beleza pop e a estranheza experimental casaram tão bem.
Para começar, um pouco de teorização parva. Há o belo puro, o da pop harmoniosa; e o feio puro, o do vanguardismo atonal. Mas nós por aqui não gostamos de coisas puras. São demasiado assépticas, cheiram a hospital. Preferimos sempre a mixórdia. Diz-se que o diabo cruzou os dois à meia-noite, criando assim o belo-feio. O belo-feio tem melodias bonitas mas notas dissonantes, é acessível mas experimental, é doce mas ruidoso. Um dos belos-feios mais elegantes de sempre é Yankee Hotel Foxtrot. Bem-vindos à obra-prima dos Wilco.
A base da pizza é a simplicidade country, mas sempre que a música o pede recorrem sem pudor a progressões de acordes mais complexas. Veja-se o caso de “Radio Cure” e “Poor Places”, que começam simples e escuras, e desembocam em harmonias à Beatles, inundando tudo de luz. Esse é, aliás, o segredo deste disco: marimbarem para o manual de receitas do alternative country, espraiando-se para onde bem lhes apetecer. Se quiserem enfiar os The Band no krautrock, os Pavement no psicadelismo, ou o Beck nos Byrds, enfiam-nos, ninguém tem nada a ver com isso. Ainda por cima, tinham acabado de comprar o próprio estúdio. Pareciam crianças, brincando, fascinados, com todos aqueles botões…
30% do encanto do álbum está na voz displicente de Jeff Tweedy, sempre ensonada e ramelosa. As canções vão-se espreguiçando devagar, e mesmo nos temas mais a abrir, como a divertida “Heavy Metal Drummer”, Jeff parece chateado por o terem tirado da cama.
Como se já não bastasse o escândalo de as melodias serem tão bonitas, Jeff tem ainda o desplante de escrever letras espertas, captando os ansiosos ares do tempo. Imagens apocalípticas, como prédios a cair e bandeiras a arder, profetizam estranhamente o 11 de Setembro. Ruídos de estática de rádio atravessam o disco, metáfora para a dificuldade que cada um de nós tem em se fazer entender pelos outros – mesmo os que mais amamos, sobretudo os que mais amamos.
Por fim, há a mitologia: a pressão da editora para tornar o disco mais acessível, a recusa da banda em fazê-lo, o chuto no cu editorial, a divulgação online do disco, o inesperado sucesso. A arte ganhando ao dinheiro, David vencendo Golias. É uma história bonita, sim, senhor, mas são as suas canções que fazem o disco perdurar.
Há quem lhe chame o Ok Computer americano: a mesma ansiedade difusa agora traduzida em guitarras acústicas e slide guitar. Nós preferimos chamar-lhe Yankee Hotel Foxtrot. O mínimo de decência para com um dos discos da década é tratá-lo pelo seu nome.