O disco de estreia dos portugueses Zarco é um caldeirão de rock onde Fausto e José Mário Branco se encontram com Frank Zappa, num dos trabalhos nacionais mais interessantes de 2019
É possível misturar nomes maiores da música portuguesa como José Mário Branco ou Fausto Bordalo Dias com Frank Zappa e o rock com toques de progressivo? Bom, por estranho que pareça, parece bem que sim, e a prova está dada com o primeiro disco dos Zarco.
Estes são cinco rapazes de Lisboa, que pertencem à família Cuca Monga – a editora criada pelos Capitão Fausto em Alvalade – e que, depois de um EP, chegam finalmente ao disco de estreia, de seu nome Spazutempo, produzido por Diogo Rodrigues e José Moz Carrapa, este último com extensíssimas provas dadas no rock português. O território dos Zarco é extenso e por vezes exótico. Quem manda aqui é a guitarra eléctrica, lança do rock que tudo contamina e conduz o caminho por onde baixo, teclas, bateria, voz e aqui e ali o clarinete vão brilhando.
As letras contam-nos histórias de outros tempos, muito devedoras ao imaginário de Fausto e a sua revisitação da saga portuguesa, com episódios de corsários e de mar, embora sem que o todo seja consumido por um carácter efectivamente conceptual.
Aquilo que nos agarra de imediato é, de facto, a mestria instrumental desta malta, bem como a originalidade nas composições. Os temas vão sendo transformados, vão evoluindo, e num só cabe muita coisa de vários géneros, daí a já costumeira associação ao delicioso e esquizóide som de Zappa. Já a forma de cantar, com a dicção e entrega das palavras a lembrar muito os tais pais fundadores da música de intervenção portuguesa, completa esta receita, que só ao início se estranha, para depois nos conquistar com extrema facilidade.
Se os Zarco, sonoramente, têm pouco de Capitão Fausto, já é mais fácil encontrar-lhes pontos em comum com os amigos e companheiros de editora Reis da República, que em 2018 editaram o óptimo disco de estreia, Fábulas. Ambos os projectos namoram o prog, mas onde os Reis da República se refugiam invariavelmente no registo mais pop, o rock é o território natural dos Zarco, o que nos agrada sobremaneira.
São cinco tipos de Lisboa a tocar muito bem, a criar mundos com originalidade e espírito de aventura, cantando em português e movidos a guitarras que não têm medo de solar quando tal se impõe. Spazutempo é, muitas vezes, uma delícia retro, como aliás destacámos na primeira edição do podcast Altamont. E é, decididamente, um belo disco de estreia e sério candidato a um lugar de destaque entre os melhores álbuns nacionais de 2019.