Está descaradamente mais pop, tem mais guitarras acústicas, vai ao country e a Bollywood, as inspirações e influências estão descaradamente mais evidentes, não é o disco que a maioria dos fãs esperava, mas é incrivelmente melodioso e inequivocamente Vampire Weekend.
Era sem dúvida um dos discos mais aguardados dos últimos tempos. Passaram seis anos desde o álbum anterior e também havia curiosidade para ver como é que a banda lidaria com a saída do compositor/multi-instrumentista/produtor Rostam Batmanglij.
E a verdade é que Father of the Bride começa por causar alguma estranheza – primeiro porque é um álbum duplo, embora a geração spotify não tenha dado conta. São 18 canções, é muito para um disco, mas espalhado pelo conceito de um duplo disco, faz mais sentido. Depois causa estranheza porque se ouve muita guitarra acústica, ouve-se Ezra Koening a fazer duetos ao mais puro jeito country – quando se esperava era indie-pop-afro-tropical, veloz e fervoroso. Mas uma vez ultrapassado esse impacto inicial, revela-se um disco incrível, embora diferente daquilo a que estávamos habituados em Vampire Weekend.
E essa alegada diferença tem mais a ver com a nossa gestão de expectativas do que com a música propriamente dita. Porque o que está em FOTB já vinha sendo enunciado nos discos anteriores, principalmente em Modern Vampires of the City, só que nós esperamos sempre dos Vampire Weekend uma enxurrada de hinos instantâneos. Porém, e felizmente, a banda não ficou a fazer “A-Punk” para sempre.
O tempo passa, as pessoas crescem, as bandas evoluem. Nos anos entre o último e este disco, o vocalista também mudou de vida, deixou Nova Iorque, foi viver para Los Angeles e foi pai pela primeira vez. E embora o filho tenha nascido já depois de o disco estar acabado, esta aproximação à idade adulta ajudou a enformar este álbum.
Daí que possamos sentir falta de uma certa urgência nas canções, mas entendamos o sítio de onde vêm. E sim, este é o disco de Vampire Weekend que mais se assemelha a um disco de Ezra Koening a solo – mas a verdade é que foi ele quem formou a banda, é ele o vocalista e, com a saída de Rostam, é Ezra o principal compositor e letrista. Mas isto continua a ser definitivamente Vampire Weekend, uma banda que cresce e evolui, como qualquer organismo vivo. E a evolução da música fez-se, principalmente, com requintes de produção, adornados com arranjos orquestrais, composições desarmantemente simples mas sem ser simplórias.
A lista de músicos, engenheiros e produtores envolvidos neste álbum é extensa, cada canção teve uma equipa diferente a tratar dos ínfimos pormenores. Entre os participantes encontramos o ex-membro Rostam, o produtor mais desejado do século XXI Mark Ronson, a engenheira de som multi-premiada Emily Lazar, o maestro e compositor de bandas sonoras Ludwig Goransson, os príncipes do synth-funk Chromeo entre dezenas de outros.
É esta atenção redobrada à produção que faz deste álbum um disco absolutamente denso, disfarçado de leveza pop. À primeira escuta ficamos logo a trautear as canções, achamos até que são demasiado fáceis, feitas para agradar aos ouvidos de um público fora do universo Vampire Weekend. Mas esta é só a primeira camada. O disco requer várias audições e a cada nova escuta detectamos novos elementos, efeitos, ruídos, manipulações, corte e costura – cada canção tem centenas de coisas a acontecer, muitas vezes sobrepostas e meio escondidas, mas que dão profundidade até à mais simples canção de embalar.
E neste disco, são várias. “My Mistake”, “Unbearably White”, “2021”ou “Jerusalem, New York, Berlin” são baladas espantosas, todas com rotação baixa, mas com melodias intemporais. No outro extremo, “Harmony Hall”, “This Life”, “Sunflower” e “How Long” são os singles que mais se aproximam do que esperaríamos de Vampire Weekend. Depois, temos uma série de duetos de Ezra com a vocalista das HAIM, Danielle Haim, que nos remetem para um universo country – que se estranha mas depois entranha.
Tal como se entranha a diversidade da palete de cores neste disco. Há secções de cordas a fazer lembrar Bollywood (“Rich Man”), há resquícios de Gypsy Kings (“Sympathy”), há guitarras à Mac DeMarco (“Big Blue”), há Van Morrison (“This Life”), “Bambina” começa com uma guitarra que faz lembrar Zeca Afonso, “How Long” foi feita para cantar em acampamentos à volta da fogueira e “Harmony Hall” parece saída de Screamadelica. Ah, Paul Simon não está esquecido, tendo a sua homenagem em “Stranger”.
E há isto tudo porque é um álbum duplo, 18 canções, tem espaço para toda esta salada de frutas. Podiam ter feito uma escolha mais criteriosa, reduzir o leque para ter um lote mais coeso de 11/12 canções – mas para isso já temos Modern Vampires.
Father Of The Bride é o disco que marca uma nova fase na carreira dos Vampire Weekend, que estão a crescer e a assumir que a mudança faz parte da vida, é preciso saber lidar com ela. Este disco entra directamente para o mesmo patamar dos últimos álbuns dos Arctic Monkeys, Arcade Fire e Tame Impala – tudo bandas com enorme responsabilidade no panorama do rock independente com uma perna no mainstream. Todos estes discos foram severa e injustamente atacados, por terem seguido direcções que não eram as mais esperadas. Mas são casos paradigmáticos e salutares de bandas que se esforçam para não estagnar numa fórmula e procuram continuar criativamente interessantes.