Pode não ser o disco de Tom Waits que todos se lembram. Mas Blue Valentine é importante na descoberta da beleza cacofónica da sua discografia. Só o tempo e o distanciamento ajudaram a percebermos isso.
Extraordinário filósofo de balcão de bar, Tom Waits é dos mais importantes cantautores dos nossos tempos. Afinal, metade do divertimento que sentimos ao ouvir Waits é a descobrir até onde nos levam as histórias de cada canção, sobre personagens noctívagas, reles, miseráveis, solitárias e despojadas de dignidade pela sociedade.
Até 1978, Tom Waits já havia presenteado o mundo com quatro belíssimos discos e algumas das suas mais belas histórias, normalmente contadas ao piano, com doces arranjos de orquestra e maravilhosos divagares de contrabaixos e sopros. Hoje, é impossível ficarmos indiferentes a “Ol’ 55” ou “I Hope I don’t Fall in Love With You”, “New Coat of Pain” ou “San Diego Serenate”, “Tom Traubert’s Blues” ou “The Piano Has Been Drinking”, canções que marcam o início da sua carreira. Mas quase a completar 30 anos de idade e com os anos 80 à porta, o que se seguiria?
Blue Valentine, abre com “Somewhere”, tema intemporal de “West Side Story”, uma versão que podia ter sido facilmente escrita por Waits, se Bernstein e Sondheim não tivessem lá chegado primeiro. A canção dá-nos a falsa impressão de que o autor continuava confortavelmente nas suas baladas jazzy. Porém, a partir de “Red Shoes By The Drugstore”, o seu jazz torna-se imediatamente mais bluesy, com picos em “Romeo is Bleeding”, “Blue Valentines” e, principalmente, “$29.00”, canção de oito minutos, onde percebemos que as guitarras elétricas começam a ganhar terreno sobre os instrumentos de corda. Sinais do tempo ou apenas vontade de sair da sua zona de conforto.
A mudança não foi maciça, mas o desvio era necessário. Waits não se permitia a escrever más canções (“Christmas Card From a Hooker in Minneapolis” é prova disso mesmo), mas arriscava-se a cair na repetição. Blue Valentine pode ser um disco sem grandes momentos, é certo, mas terá sido mais um passo numa direção certa. A sua história estava longe de terminar.