Não sendo um herdeiro directo de Tranquility Base Hotel & Casino, o sétimo longa duração da banda vem reforçar, de forma sumptuosa, a direcção menos rock and roll que a banda tem vindo a preconizar.
O que mais salta ao ouvido neste disco são os arranjos musicais que dão corpo a um trabalho muitas vezes orquestral. No disco anterior, o conceito lounge invadiu grande parte dos seus temas, revestindo-os a alcatifas de cores quentes, devidamente instalados em sofás espaçosos, empunhando cocktails enigmáticos. Por sua vez, em The Car, somente em duas músicas não se ouve o aveludado dos violinos. As cordas são uma constante neste trabalho dos britânicos. E é exactamente neste conceito sinfónico que a voz croonie de Alex Turner aparece. Entre frequências mais graves do que o habitual e diversos falsetes glico doces, o vocalista discorre frases de fonética barroca, ao sabor de lamentos amorosos impregnados de romantismo quase poético. Agrada a todos? Aparentemente não, em particular àqueles que apreciam o rock mais musculado e viril.
Mas mergulhemos no álbum para melhor percebermos os contornos e tiques que o caracterizam. O tema que lhe serve de abertura, “There’d Better Be A Mirrorball”, e que foi o primeiro single do disco a ser lançado, esclarece-nos de imediato. Dos 10, é sem dúvida o tema mais cinematográfico. Escuro, denso e loucamente carregado de paixão. “So do you wanna walk me to the car”? A nitidez brilhante com que o tema se vai desenrolando, permite-nos reter cada detalhe da pronúncia profundamente “british” de Turner, assim como todos os instrumentos que participam na orquestração do primeiro acto de The Car.
Com produção a cargo de James Ford dos Simian Mobile Disco, a cruel limpidez com que os singles vão surgindo uns atrás dos outros, faz da audição deste disco um exercício de suave encantamento. Balizado por dois temas de natureza mais soul, encontramos o sibilino e sensual “Sculptures Of Anything Goes”, o tema onde os sintetizadores têm permissão de entrar em cena e ficar na linha da frente, soberanos. E que entrada… Em “Body Paint”, tema claramente inspirado em incursões mais dramáticas de Bowie, chegamos ao meio do disco. Uma primeira parte que termina de forma triunfal, sem tréguas nem vacilos. Cinco temas, cinco palmas.
Inspirado numa fotografia tirada pelo baterista Matt Helders em Los Angeles, abrimos o lado b do álbum com o tema homónimo. Infelizmente, “The Car” deixa-nos um amargo de boca pela sua magra performance. Talvez o disco devesse ter “Big Ideas” no seu título, como o próprio Alex Turner diz “I had Big ideas, the band were so excited; The kind you’d rather not share over the phone; But now the orchestra’s got us all surrounded”. Está tudo dito. Serviriam estas três frases de preâmbulo para o resto da obra. Alea jacta est.
Pelo caminho passamos pelo funk ligeiramente disco de “Hello You” para desembocarmos na constatação melódica do acto final. Tudo faz sentido. Sobra-nos então parar a música e desligar as luzes.
A meu ver, este disco dos já não tão jovens Artic Monkeys revela uma crescente vontade de experimentar um universo teatral, que tão bem serviu de papel de parede para obras de Bowie, Marc Bolan ou Bryan Ferry, entre outros. É certo que Alex Turner exaure a sua amplitude vocal num exercício de pretensão virtuosa. E como é habitual neste gestos mais arriscados, existe sempre um risco inerente à superação, passível de maior ou menor crítica. Contudo, tendo em conta o disco como um todo, o discurso é coerente e substancial. The Car, apesar da sua pontual opacidade e monotonia estilística, evidencia momentos de grande consistência artística, onde a banda consegue galvanizar-se em cenários cinematográficos, carregados de expressividade cénica. Um disco que podia ser uma série da BBC.