Some Girls, de 1978, é um disco que, de alguma forma, fecha um capítulo nos Stones. Em termos de som é uma mudança de direcção face aos discos anteriores – sobretudo o regresso a tempos mais longínquos em que o rock era mais puro e menos produzido – e o fim simbólico e não só do período áureo da banda.
Em Março de 1977, uma rusga muito séria havia apanhado Keith Richards em flagrante delito, com droga, no Canadá. Pior: foi acusado de posse para tráfico, o que ameaçava uma pena de prisão vitalícia. Entre esse momento e o ano seguinte, Richards embarcou em nova cura de desintoxicação, mas a pressão do julgamento e a força do vício eram demasiado intensas para ele. Quando os Stones entram no parisiense Pathé Marconi Studios, na primeira metade de 1978, fizeram-no com a consciência de que podiam estar a fazer um disco enquanto Rolling Stones pela última vez. O julgamento de Richards começaria em Outubro desse ano, e o desfecho era imprevisível. Por outro lado, estávamos no auge da vaga punk no Reino Unido. Os Sex Pistols haviam tomado o país de assalto, e atacavam bandas como os Stones e os Pink Floyd como o “rock balofo do passado”. Estes factores, este sentimento de última oportunidade e de algo a provar estava claramente bem vivo nos membros da banda. Voltaram a usar o velho método de antigamente, chegar ao estúdio sem nada definido e ir compondo no local. A magia – nomeadamente entre Jagger e Richards – esteve de volta nessas sessões de gravação, que os intervenientes recordam como longas mas muito positivas. Basta dizer que, dessas sessões, saiu um take algo desvalorizado aquando da gravação, de uma musiquinha chamada “Start Me Up”. Recuperada, seria o single-locomotiva de Tattoo You, de 1981, e um clássico até hoje.
A banda começou a ensaiar numa sala mais pequena do estúdio parisiense e, apesar das reduzidas dimensões, gostaram tanto do som – cuja consola simples lembrava a mítica mesa de Abbey Road – que se mantiveram por ali, apesar da insistência de Mick para que transitassem para o estúdio principal, bem mais equipado.
No entanto, este não era um disco igual aos outros. Não era preciso grande produção. O próprio Richards admite, aliás, que a intenção era manter tudo o mais simples possível, até porque só tocariam no disco os membros do núcleo duro dos Stones, sem os habituais colaboradores. Richards explica: “A acumulação de sidemen nos anos 70 tinha-nos feito seguir outro caminho, desviando-nos por vezes dos nossos melhores instintos. Este disco só dependia de nós próprios e, sendo o primeiro álbum do Ronnie Wood como um dos Stones, da nossa mágica arte de combinar guitarras”.
Em termos de faixas, destaque natural para “Miss You”, uma tentativa bem sucedida a uma espécie de disco-sound, que seria explorada com resultados bem mais fracos mais tarde. “Miss You” é o mais perto que os Stones já estiveram de escrever uma canção para as pistas de dança, e não surpreende que a estrutura central tenha vindo da pena de Mick, na altura assíduo frequentador dos bares e discotecas da moda de Nova Iorque. “Beast of Burden” foi outro single bem sucedido, com Wood a chegar-se à frente e a mostrar do que era capaz. Destaco outras: o excelente blues “Some Girls”, o polémico tema-título a pingar chauvinismo, sexismo e testosterona, levando os Stones a, mais uma vez, serem alvo da ira das feministas; “Respectable”, um rock puro e duro que, ainda hoje, faz parte do alinhamento frequente dos concertos da banda (foi assim no Rock in Rio); e “Before They Make Me Run”, toda ela de Richards e sobre o seu processo judicial e o medo que tinha de que tudo estivesse acabado. Tão obcecado estava com esta faixa que trabalhou nela com dois produtores durante cinco dias seguidos, levando um deles a desistir e a ir para casa dormir decentemente. O próprio Richards, quando finalmente captou o som que queria, adormeceu finalmente no chão do estúdio, por baixo da mesa de mistura. Acordou com a fanfarra da polícia de Paris a gravar, em altos berros, uma versão da Marselhesa. E Richards a poucos metros de “toda a polícia de Paris”, com seringas e droga nos bolsos…
Na edição especial que o NME fez sobre a carreira dos Stones, em 2013, foram analisados todos os discos da banda. De 0 a 10, o máximo atribuído foi a nota 9, a cinco discos: Beggars Banquet (1968), Let it Bleed (1969), Sticky Fingers (1971), Exile on Main St. (1972) e Some Girls (1978). São, de facto, o topo da discografia da banda (ok, juntamente com alguns dos primeiros discos). O disco seguinte, Emotional Rescue, de 1980, viu os Stones entrarem na nova década completamente sem rumo, a tentar saltar definitivamente para o comboio Disco que, curiosamente, estava perto do fim da linha. Desde então, desde Some Girls, o que vimos foi os Stones ou a serem aborrecidos ou a arriscarem, falhando tremendamente. Os anos 80 não foram simpáticos para a banda, o que sucedeu a muito boa gente. Desde 1978, o ano em que nasceu o autor destas linhas, nunca mais os Stones conseguiram fazer um disco ao mesmo elevado nível.