Saberia Syd Barrett que estava a enlouquecer? Pelo menos na última faixa que gravou com os Pink Floyd – «Jugband Blues» – o próprio fazia um autorretrato quase perfeito sobre a demência esquizofrénica que o começava a afetar: «It’s awful considerate of you to think of me here / And I’m much obliged to you for making it clear / That I’m not here.»
Apesar da sua saída oficial dos Floyd na primavera de 1968, Barrett continuava nos bastidores intimamente ligado aos seus antigos companheiros. Sabe-se agora que ficava muitas vezes ficava longos dias em casa de Rick Wright sem dizer uma única palavra, ou que perseguia os Floyd em digressão fitando obcecadamente a atuação do seu substituto. Dizem as más-línguas que David Gilmour esteve quase a abandonar banda quando viu entre a assistência o olhar ameaçador de Barrett.
A maior parte destas histórias passaram ao estatuto de lendas à medida que, ao longo dos anos, cresceu o culto da sua personalidade. Foi assim que, após mais de três décadas, o homem conseguiu que lhe granjeassem a si próprio o estatuto de «mito-vivo»!
Contudo regressemos a meados de 1968, à génese do seu primeiro disco a solo. Barrett ainda estava ligado à EMI e expressou ao manager Peter Jenner o seu interesse em gravar algumas demos para um possível trabalho. Desse conjunto de sessões, apenas se salvou esboços de canções como o estranho instrumental «Lanky» ou o incongruente «Swan Lee». Espelhos demasiado fiéis da degradação mental do seu autor e que também evidenciavam o crescente consumo de ácidos.
Demasiado assustado para continuar, Jenner, no início de 1969, passou o testemunho da produção a Malcolm Jones. Engenheiro de som nos estúdios Abbey Road, o experiente Jones, sem intencionalmente o querer, produziu duma forma mais ou menos concreta metade das canções de The Madcap Laughs. Por momentos, Barrett parecia acordar de uma bad trip e compunha o primeiro álbum lo-fi da história.
A sua capacidade de escrever canções era tal que do nada surgiam as mais imaginativas letras, acompanhadas pelas mais evocativas melodias que mais tarde influenciariam gente tão diferente quanto importante, entre eles David Bowie, os Blur, Robyn Hitchcock ou os R.E.M.
«Terrapin», com uns acordes meio blues, meio folk e com uma letra a falar de tartarugas iluminadas em cristais azuis, torna-se numa canção imperdível do final dos anos 60. «No Good Trying» faz pensar naquilo que os Floyd soariam se nunca tivessem abandonado o amigo antes do concerto de Southampton. Negro, psicadélico e mordaz são alguns adjetivos que definem a performance de Syd enquanto acompanhado pelos rivais Soft Machine (Mike Ratledge, Robert Wyatt e Hugh Hopper). «Love You» é tão dandy que só poderia ter sido escrita por um inglês, enquanto «No Man’s Land» precede o feedback do grunge dos Nirvana em 20 anos!
Tudo parecia idílico quando, em Junho, a EMI, cansada de esperar por resultados, decide dar um prazo final a Barrett para entregar um produto: três dias. Eis que surgem os amigos Roger Waters e David Gilmour que obrigaram o Crazy Diamond a trabalhar que nem um mouro para poderem entregar o álbum no prazo.
Destas novas sessões, surgiram novas canções e outras mais antigas: o enigmático «Golden Hair» baseado num poema de James Joyce, o íntimo “Late Night” com direito a guitarra à luz das velas, o melancólico, mas belo «Dark Globe», o grande solitário «Long Gone» e o roqueiro «Octopus», que contêm uma das letras mais fascinantes criadas no século XX em forma de canção pop:
«The madcap laughed at the man on the border/ Hey ho, huff the talbot/ The winds they blew and the leaves did wag / And they’ll never put me in their bag/ The seas will reach and always see / So high you go, so low you creep / The winds it blows in tropical heat / The drones they throng on mossy seats / The squeaking door will always creep / Two up, two down we’ll never meet / So merrily trip for good my side / Please leave us here / Close our eyes to the octopus ride.»
Pena que Syd tenha pago um preço tão alto por tanta imaginação. Ainda assim o homem deixou-nos um pequeno legado de grandes canções que ainda hoje são válidas, não só para os fãs acérrimos dos Pink Floyd mas também para toda uma fornalha de gente que ao longo dos anos clama as suas ideias e influências. O legado de Barrett está mais vivo do que nunca.
Diz-se que quem ri por último ri melhor, e o louco pode finalmente rir-se à vontade…