Gosto muito de futebol. Desde pequenino, e ignorando o facto de nunca ter tido muito jeito, gosto muito de futebol. Há qualquer coisa de simples e complexo ao mesmo tempo, numa corrida atrás da bola, numa finta bem executada, no coração pesado depois de falhar um penalti. É um desporto que consegue ter tanto de inteligente como de tosco, gutural. Do esquema tático ao grito de golo… tudo isso me fascina.
Gosto muito de música. Desde pequenino, quando tudo o que conhecia era aquilo que tocava na radio quando ia para a escola, gosto muito de música. Do básico que ia apanhando, ao gosto que se foi adquirindo, com o tempo, ela tornou-se tão quotidiana como ir à casa de banho quando acordo. Tornou-se uma necessidade fisiológica. Do dedilhar mais carinhoso ao rufar mais violento… tudo isso me fascina.
Na vida, raras são as vezes em que conseguimos juntar o melhor dos dois mundos, os porcos e o dinheiro dos porcos nem sempre aparecem juntos e isso é chato. Gosto muito de futebol e gosto muito de música: no último sábado, dia 15 de Fevereiro de 2014, num momento raro de conjugação de filet mignons da vida, futebol e música juntaram-se na Galeria Zé dos Bois. Foi dos Sensible Soccers o palco, nessa noite, e os Quelle Dead Gazelle lá estiveram também para dar mais um brilho à noite que se passou muito, muito bem.
Na já mística sala de concertos da ZDB, o escuro era cortado pelos focos laranja que destacavam a bateria e os pedais, taco a taco, como se fossem chocar de frente. Chegavam o Pedro e o Miguel, que rimam com Quelle Dead Gazelle, e fomos relembrados porque é que Deus decidiu juntar “Rock” e “Progressivo” em uma palavra só. Num misto de classe (ou pinta, também dava) e violência (alguém que ponha o Miguel ,baterista, no Panteão, por favor), fomos viajando entre ritmos pesados e outros mais gingões, quase “africanizados”. Percorreu-se o EP de estreia, “Afrobrita” e “Madrasta” viraram cabeças, e estava feito o começo de uma noite de boa música. Uma pequena pausa para a cerveja e o xixi e estava tudo pronto: as estrelas da festa já tinham completado os exercícios de aquecimento e o apito inicial não tardava muito a chegar.
Aí estavam eles, ajeitaram o terreno de jogo à sua maneira, ligaram todas as luzinhas e todos os cabos, e na velocidade de um drible do Aimar, o “8” chegava-nos aos ouvidos… E que bem que ele soou.
Não é a primeira vez que vejo o Manuel, Filipe, Hugo e Emanuel a espalharem magia, mas acho que o facto de nunca me fartar de os ver ajuda a perceber que são realmente bons. No seu género muito particular, distante tanto de matrizes clássicas como daquelas novas que vão aparecendo todos os dias, conseguem, sempre com muita calma e paixão, intoxicar todos que os oiçam. Talvez seja um psicadelismo do século XXI, talvez seja um soft-rock progressivo com letra grande, não importa… São frescos, completos e com uma riqueza musical espantosa. Poucos conseguem uma união tão harmoniosa entre som orgânico e inorgânico como eles.
Temos mergulhos digitais profundos, hipnóticos, que são cortados pela guitarra do Filipe Azevedo que geme com o arco que a percorre. O teclado certeiro do Manuel aperta-nos os botões todos enquanto dança animado. Passámos por “Sob Evariste Dibo” como quem apanha sol pela primeira vez em muito tempo: o seu ritmo mexido, irrequieto, pôs toda a gente abanar a anca. “Manuel” fez viajar, com um som que mais parecia uma brisa de beira-mar… era capaz de jurar que ouvi o homem das bolas de Berlim, lá ao fundo. “Maria Rosa” encheu o recinto de amor, puro, daquele mesmo de pai e filha. “Sofrendo por você”, esse clássico instantâneo, fechou a noite com um sorriso marialva e um desejo enorme de levar um “8” para casa.
Sempre que se fala em Sensible Soccers, a gíria do futebol é o pão-nosso que enche posts, tempo de antena e reportagens. Acho que é um bocado inevitável, apesar de me chatear a imediatez com que jogos de palavras destes se fazem. Para uma banda que consegue fazer algo tão rico e tão complexo e simples ao mesmo tempo, não acho que a prosa faça jus. Mas pronto, que se lixe, a tentação é maior que eu e vou ter de dizer: Sensible Soccers com Quelle Dead Gazelle foi um banho de bola, digno de” olés” e “Bálons D’or” para encher uma sala. Nota artística e técnico-táctica superlativa, onde não faltaram lançes de encher o olho. Falamos de autênticos campeões que, numa época cheia de trivelas, passes de letra e cabritos, ganharam tudo o que havia para ganhar. Não há “Tripletes” nem “Canecos” que estes craques não mereçam. Guardiola e Mourinho, roam-se de inveja: estas jovens promessas da cantera lusitana estão aqui para agarrar um lugar no onze e a exibição de sábado foi das grandes.
Pronto, muito mais aliviado…
Aos que não ligam à bola, as minhas desculpas, mas eu avisei: gosto muito de música, gosto muito de futebol e gostei muito deste concerto.