“A minha Pátria é a língua portuguesa”. Disse Fernando Pessoa e diz, quase um século depois, Bruno Pereira, que acaba de editar o seu primeiro disco a solo. É um disco mas podia ser um livro. Não podia era ser de outro burgo.
Mas vamos por partes. Conhecemos Bruno Pereira como baterista e fundador dos extintos Atomic Bees (onde mais tarde entrou a sua irmã, Rita Pereira, mais tarde, Redshoes).
Bruno Pereira esteve meio desligado da música durante alguns anos, até comprar uma guitarra acústica para entreter tempos mortos em casa. Assumindo que não é um grande guitarrista e que sabe apenas os acordes básicos, foi brincando com a guitarra, por exemplo a musicar palavras que rabiscava.
Rabisco puxa rabisco, várias palavras juntas fazem frases, frases dão poemas, e Bruno Pereira lá ia escrevendo, sem compromisso ou objectivo, escrevia o que lhe corria nas veias. A guitarra acústica entrou para fazer de cama a tais poemas mas acabou por fazer canções. Um dia gravou uma, num mini estúdio improvisado no seu quarto. Gostou do que ouviu e acabou por gravar uma dúzia de canções. Ora isto dá para fazer um álbum, faça-se um álbum.
É preciso assinar as canções. Bruno Pereira é o que diz no B.I. mas o nome artístico tem de ser relacionado com a música que faz e com a forma como é feita. E todas estas músicas nascem de um poema. Depois entram em camadas a guitarra, a harmónica, a stompbox a marcar o ritmo, o assobio e outros elementos. Mas tudo começa com o texto e o texto é sempre escrito de uma assentada, sai que nem uma erupção.
E então temos o Senhor Vulcão. Pistoleiro mordaz, traz no coldre apenas uma guitarra e uma rima pronta, faz pontaria ao estômago e dispara. Dispara repetidamente, as palavras vêm lá bem de dentro e são cuspidas na nossa cara, desafiam-nos, intimidam, encorajam.
O nosso pistoleiro foi criado no delta do Tejo ou do Mondego ou do Douro – a ouvir o que se faz no delta do Mississippi. Podia ter seguido essa inspiração musical e ser um bluesman e cantar em inglês e ser mais um.
Mas está física e astralmente ligado à terra onde nasceu e abraça as raízes com toda a força. Pega orgulhosamente na tradição de séculos e coloca-a nas canções que faz. São de uma simplicidade tocante, melodias singelas à guitarra para acompanhar os poemas que escreve. Os poemas são a força motriz desta música, que às vezes é folclore, outras é blues de Trás-os-Montes, palavra falada. Não é spoken word, porque a sua pátria é a língua portuguesa. E o Senhor Vulcão trata a língua com respeito e admiração, com interesse pela semântica e por vocábulos que, lamentavelmente, já não fazem parte do discurso do século XXI.
Isto é um disco mas podia ser um livro. Não podia era ter sido feito noutro sítio que não em Portugal.
(Ah, Montanha, volume nr.1 , é como o nome indica, o primeiro de vários maços de canções que o Senhor Vulcão terá nas gavetas. Esperamos para breve novas erupções, mas por agora está a vender este volume no site oficial.)