No primeiro dia do EDP Cool Jazz 2015, os Jardins do Palácio do Marquês de Pombal estavam prestes a receber dois dos nomes mais incontornáveis do Jazz mundial. Herbie Hancock e Chick Corea subiriam ao palco para encher de música a noite de todos os que se haviam deslocado até ali para terem a oportunidade de ver duas lendas vivas.
A primeira colaboração entre os dois músicos aconteceu sob a tutelagem de Miles Davis, no longínquo ano de 1967, nas sessões de gravação daquele que viria a ser o álbum Walter Babies editado apenas em 1976. Ainda como parte da banda de Miles os dois músicos apareceriam lado a lado em álbuns clássicos do mestre: In a Silent Way, Bitches Brew e Jack Johnson.
Depois do período de aprendizagem com Miles, ambos os pianistas voltariam a concentrar-se nos seus projectos próprios. Herbie Hancock lançaria o seu disco mais aclamado – Head Hunters – e Chick Corea formaria os Return to Forever, explorando sempre novas sonoridades dentro do Jazz.
Em Fevereiro de 1978 os dois pianistas encontrar-se-iam para uma série de concertos em piano acústico dos quais saíram os deliciosos álbuns An Evening with Herbie Hancock & Chick Corea: In Concert e CoreaHancock.
E, para bem de todos, os dois músicos decidiram repetir a experiência, quase quarenta anos volvidos. O belíssimo espaço dos Jardins do Palácio do Marquês de Pombal enchia-se gradualmente e até as cigarras e as rãs pareciam ter-se juntado naquele local para assistir ao concerto.
Ao entrarem em palco os dois músicos mostraram-se afáveis e com vontade de celebrar. “This is the last night of the European tour and we’d love to celebrate tonight. And so, we saved the best for last!” afirmou Herbie Hancock, agarrando a audiência ainda antes de ter tocado qualquer nota. Sentados frente a frente, separados apenas pelos seus pianos de cauda, os músicos lançaram-se na tarefa a que se haviam proposto: entreter e divertir uma audiência que se havia deslocado até ali para beber todas as notas tocadas por aqueles dois gigantes musicais.
Desde o princípio que ficou claro que o espectáculo não era puramente acústico. Herbie Hancock recorreu ao auxílio do seu sintetizador logo na primeira canção, criando uma atmosfera electrónica para a improvisação excelsa de Chick Corea que percorria o teclado em busca de todas as notas que pudessem servir a base musical da peça. E o veterano não teve problema em encontrá-las.
Desde passagens mais atrevidas e misteriosas, a vamps energéticos e descomplicados, solos intrincados que eram trocados entre os dois músicos e até momentos em que ambos solavam em harmonia, puxando sempre o improviso a um patamar que não está ao alcance de todos, os músicos agraciavam o público com um concerto que não frustrava a espectativa criada.
Houve momentos para experimentações electrónicas por parte dos dois, como que uma máquina do tempo que nos levou a revisitar os percursos dos dois músicos durante os anos 70 e 80. Durante a revisitação do passado, ouviram-se beats de hip-hop – bem ao estilo de Future Shock – e os ambientes cheios de textura dos Return to Forever. Ainda na onda saudosista a audiência foi agraciada com uma peça “Dedicated to our former boss. The great Miles Davis”. Adivinhando-se o fim do concerto, os dois pianistas embarcaram numa balada de uma beleza estonteante seguida de uma despedida bem-disposta, com Chick Corea a apresentar o seu amigo italiano “Herberto Hancolini”, seguido de um encore recebido de braços abertos.
Herbie Hancock explicou então que durante a digressão tinham vindo a tocar não como um duo, mas com um trio: os dois músicos e uma audiência. Num jogo a três vozes, a plateia fez parte da arte ali tocada, servindo como base para a improvisação que soava das tecla em palco. Mais umas lembranças do passado, com Chick Corea a recuperar passagens da canção “Spain” dos Return to Forever. Houve ainda um incrível momento de troca de frases musicais, onde a audiência imitava com a voz as notas que saíam do piano. Para o segundo encore, duas canções. Um improviso rápido e depois uma variação do primeiro movimento do disco A Love Supreme de John Coltrane, de novo com o auxílio do público a entoar melodias criadas pelos músicos.
Vivo, feliz e de coração e ouvidos cheios. Foi assim que abandonei o concerto, certo de que acabara de ver um concerto que me ficará na memória durante muitos, muitos dias. E certamente não terei sido o único.
Fotos gentilmente cedidas por Fernando Mendes