Este verão tem andado cheio de equívocos, sobretudo durante as primeiras horas das manhãs, e também durante as noites. Ambas aceitam o vento com delicadezas de outono, e parecem prescindir daquilo que julho deveria ser. Assim tem acontecido quase todos os dias destas últimas semanas, e hoje tudo voltou a passar-se da mesma maneira. Nem mesmo para receber Lianne La Havas e Izem, nos Jardins do Marquês de Pombal, em Oeiras, a noite se pôs mais agradável. De qualquer maneira, os artistas souberam fazer bem os seus papéis, e por isso a noite tornou-se mais simpática. O vento não acalmou, mas o que se foi ouvindo fez-me esquecer esse lamentável equívoco meteorológico.
Antes da estrela maior da noite, o produtor e dj francês de nome Izem, levou ao palco as suas irreverentes electrónicas, mostrando todo o exotismo da sua música. Os seus ambientes jazzísticos, orientais, africanos, do mundo, soam mesmo bem, e com eles fui bebendo a primeira cerveja da noite. Soube-me deliciosamente! Foi um set com muita entrega, boa energia, num estilo de ambiente sonoro mais propenso ao final de uma qualquer noite mais intensa, mais longa, madrugada adentro, quando o corpo começa a exibir sinais de se entregar ao descanso. Izem, acrónimo para “in ze early morning”, preencheu de forma exemplar a primeira parte do espetáculo, e deixou-me com vontade de ouvir Hafa, o seu primeiro disco, com mais atenção. Tomei nota, para não me esquecer de o adicionar ao meu velhinho iPod, que me acompanhará, uma vez mais, nas semanas algarvias que se avizinham.
Finda a atuação de Izem, e depois de uma breve pausa para arrumações de palco, chegava a vez de ouvir o que a compositora e multi-instrumentista inglesa Lianne La Havas tinha para nos mostrar. Com apenas dois discos em carteira (Is Your Love Big Enough?, de 2012, e Blood, que só será lançado no último dia deste mês), Lianne La Havas revelou uma maturidade surpreendente, não só enquanto artífice da nobre arte de fazer boas canções, como no desembaraço instrumental. Isto já para não falar da sua portentosa voz, óbvio cartão de visita desta extraordinária menina londrina de apenas 26 anos. Não admira que o seu talento tenha chamado a atenção de nomes como Prince (fazendo uma participação no seu Art Official Age), Jill Scott e Bon Iver.
O fraseado vocal de La Havas é algo que não passa despercebido, e esse predicado fez-se notar desde o início da sua atuação. A música soul marca o estilo do seu canto, que parece surgir com uma simplicidade desarmante, ao mesmo tempo que vai tocando e trocando de guitarras (acústica, elétrica, baixo). É uma estrela, não há dúvidas sobre isso. As canções iam surgindo, uma após outra, e a entrega em palco era cada vez maior. Notava-se, no público, desde os primeiros temas, uma vontade de cantar e de dançar, coisas que foram, naturalmente, surgindo em crescendo até ao final do concerto, que abriu estrondosamente com “Unstoppable”, tema de abertura do “yet to come” Blood, e logo começou a fazer-se a festa. Lianne La Havas vinha com ganas de causar a melhor das impressões nesta sua estreia em Portugal. Estava tão feliz, que acabou mesmo por dizê-lo mais do que uma vez. E também tão entusiasmada, que nem o vento que chegava em rajadas intermitentes lhe causou qualquer incómodo. “I like the sound of the wind”, disse antes de se lançar a um dos maiores momentos da noite. A canção “No Room For Doubt” é imensa, e reforça aquilo que penso da artista. Também ela não deixa quaisquer dúvidas da enorme qualidade de Lianne. A sua voz (uma vez mais, a voz) surge, em vários instantes, em planos de uma pureza cristalina irrepreensível, embora noutros momentos arraste um pequeno grão que salienta ainda mais o charme de que é feita. O tempo passava depressa demais, e uma hora depois dos acordes iniciais, o concerto chegava ao fim. Tempo para mais gritaria da parte do público, chamando-a. La Havas voltou para um único encore de três canções. Quando começou a tocar “Forget”, já toda a gente dançava vibrantemente junto ao palco, aos pés da cantora, em rendição absoluta. A sua energia, bem como a energia do público, fizeram da noite fresca, um lugar quente e bom de se habitar.
Fotos gentilmente cedidas por Fernando Mendes
Alinhamento do concerto de Lianne La Havas:
- Unstopabble
- Green and Gold
- Is Your Love Big Enough?
- Au Cinéma
- Tokio
- Wonderful
- No Room For Doubt
- Lost & Found
- Grow
- Midnight
- Elusive
- Never Get Enough
Encore:
- Age (só voz e guitarra elétrica)
- What You Don’t Do
- Forget