
De várias línguas e crioulos se fez o último dia do Super Bock Super Rock 2015, com os óbvios destaques FFS (Franz Ferdinand & Sparks) e Florence and the Machine. Ainda assim, com dois nomes gigantes, o fecho do festival fez-se com uma mão cheia de outros sublimes concertos e muitas surpresas.
Os Modernos começaram por pôr a “Casa a Arder” com o sol a queimar as caras no palco EDP. Malhão atrás de malhão, o trio-afluente dos Capitão Fausto surpreendeu locais e estrangeiros com o seu rock de garagem, salpicado de psicadelismo e juventude. Um início de festival bem quente, onde não faltaram as orelhudas “Sexta-Feira”, “24”, “Só Se Te Parecer Bem” e outras cantigas retiradas dos dois EPs já lançados.
Logo a seguir vinha a também portuguesa Márcia, que fez brilhar os olhos de todos sem precisar de grandes malabarismos. Porque a arte de Márcia é a sua calma, a sua paz rouca, a sua simpatia tão simples e sincera. Passando pelas principais canções do fresquinho Quarto Crescente, a cantautora não se esqueceu das baladas nem das pessoas que a fizeram crescer. Com Criolo cantou “Linha de Ferro”, com Samuel Úria “Menina” e com o público, fazendo-se maestrina em “Cabra-Cega” e “Pra Quem Quer”. No final, arrepiou a pele que ainda restava em nós com um dos seus temas mais conhecidos, “A Pele Que Há Em Mim”. Saímos todos contentes.
Era no palco Super Bock – ou MEO Arena – que tocaria a seguir Rodrigo Amarante. De violão na mão, o quebra-corações brasileiro fez novamente um concerto competente e calmo, com as canções do seu Cavalo. Mas talvez devesse ter trocado com os Palma Violets, já que a sua música não foi feita para um pavilhão como aquele em que tocou e sim para um final de tarde ao ar livre, frente ao rio. Pelo menos a reverberação eterna do MEO Arena ajudou a embelezar algumas das canções, como “Nada Em Vão”, cuja letra fez sentido numa sala ainda pouco cheia.
A estrela da noite, pelo menos do palco EDP, era Ruban Nielson – mais conhecido por Unknown Mortal Orchestra. Depois do inesquecível e (pensávamos nós) imbatível concerto no NOS Alive do ano passado, as expectativas eram altas. As dúvidas, igualmente inquietantes. Isto porque há um ano ficámos surpreendidos pelo virtuosismo que Nielson mostrou ter quando pegava na guitarra e o novo disco ter posto esse instrumento em segundo plano. Com mais um membro na banda para tratar dos sintetizadores, Nielson mostrou ser o mesmo músico de há um ano. Ainda que a guitarra tenha perdido algum do destaque, todos os segundos do concerto mostraram um músico pleno e talentoso. O espectáculo começou com “Like Acid Rain” e um microfone problemático. Por entre falhas técnicas, o público lá ia trauteando os versos a plenos pulmões. Em “From The Sun”, a canção seguinte, a voz continuava a mal se ouvir, mas de novo a plateia resolveu o problema cantando as palavras uma a uma. À terceira música, “How Can U Love Me”, já os problemas estavam resolvidos e o concerto tomava forma. “Ur Life One Night”, uma das novas, antecedeu “The World Is Crowded” – cantada em uníssono – com uma guitarra explosiva, melosa e gritante. Com “So Good At Being In Trouble”, Nielson fez um dos melhores momentos do dia, cantando a letra inteira em uníssono, feliz, com o público. Logo a seguir entrava “Swim and Sleep (Like a Shark)”, canção vibrante e mais uma vez vivida pela plateia inteira. Seria então em “Stage or Screen” que Ruban se sentava nas escadas colocadas em frente ao palco, provocando e seduzindo um público sedento de contacto directo com o artista. E, como que lendo o pensamento do público, Nielson acedeu ao pedido de multi-amor, atirando-se e entregando-se às mãos do público, não sem antes conduzir em palco os braços de quem o chamava. Já o público delirava quando “Ffuny Ffrends” entrou a pés juntos nos ouvidos e saía das bocas de todos, com o músico a sentar-se novamente nas escadas, como num alpendre, contando histórias que nem um trovador, que nem um flautista hipnotizando seus espectadores e ouvintes, em solos de guitarra dedilhados e ondulantes. Por fim, com “Multi-Love”, “Necessary Evil” e a guitarra espalhafatosa de “Can’t Keep Checking My Phone”, Ruban Nielson rendeu-se ao público, fazendo-o gostar ainda mais das suas novas músicas, não lamentando a mudança de direcção.
Logo a seguir, no mesmo palco, a Banda do Mar fez um concerto decente, onde tocou quase na íntegra o disco de estreia e acrescentando ao alinhamento “Anna Júlia”, o clássico de 1999 dos Los Hermanos – banda à qual Marcelo Camelo (um dos integrantes da Banda do Mar) pertence. Mallu Magalhães era claramente a estrela que brilhava aos olhos do público, e na sua timidez querida fez jus à imagem que passa nos discos. Simpática e brincalhona, não olhou a meios para conquistar o público com “Mais Ninguém”, “Dia Clarear” e “Me Sinto Ótima”. E o público abraçou-a com aplausos e gritos calorosos, pois claro.
De palco em palco se fazem os festivais, então tivemos que pôr os pés em marcha para chegar a tempo de ver a estreia em Portugal dos FFS, banda formada pelos Franz Ferdinand e Sparks, que vinham apresentar o seu disco de estreia. Uma joint-venture impensável que acabou por vencer no sempre difícil mundo das colaborações entre bandas e músicos que normalmente se estatelam ao comprido. Felizmente, este foi um dos felizes casos e o público do MEO Arena não saiu defraudado. E não poderia mesmo porque, além das músicas do disco de FFS como “Johnny Delusional”, que abriu o concerto, “Call Girl” ou “Dictator’s Son”, a superbanda também tocaria das bandas que a formam. Win-Win Situation. Para os Sparks, que à boleia dos Franz Ferdinand, apresentaram-se a uma nova geração que pôde descobrir canções magníficas como “This Town Ain’t Big Enough For The Both Of Us”, “Achoo”, “When Do I Get To Sing ‘My Way'” ou “The Number One Song In Heaven”; Para a banda de Alex Kapranos que assim relembra ao mundo que 2004 não foi assim há tanto tempo e que “Do You Want To”, “Walk Away”, “Michael” e “Do You Want To” são malhões em qualquer parte do mundo. E para os próprios FFS que, à boleia do concerto seguinte de Florence & The Machine, tocaram para um MEO Arena quase a rebentar pelas costuras. Essa felicidade foi visível na banda que deu tudo e agarrou um público que estava maioritariamente para ver a headliner da noite, dando até para momentos cómicos com Ron Mael, teclista, que ostenta uma das figuras mais sui generis do rock. Ao contrário da música que cantaram, Collaborations do work, they do work.
Florence Welch e a sua gigante máquina (dez pessoas a garantir a estabilidade do seu espectáculo) encheram o MEO Arena como nenhuma banda no festival inteiro. Numa festa de luz, lantejoulas e corridas de um lado para o outro do palco, os Florence and the Machine compensaram o cancelamento do concerto no Optimus Alive, em 2013. No alinhamento ouviram-se, por entre um punhado de canções novas, muitas canções do primeiro disco Lungs – “Cosmic Love”, “Rabbit Heart”, “Drumming Song”, “You’ve Got The Love”, “Dog Days Are Over” e, no encore, “Kiss With A Fist”. Além dessas, ouviram-se também faixas de Ceremonials – “What The Water Gave Me”, que começou o concerto de forma triunfal, “Shake It Out”, etc. Durante as duas horas de concerto, Florence dominou o público como mais ninguém soube fazer no festival inteiro, num misto de pop star, intimismo e honestidade inigualável que elevaram a plateia inteira – incluindo as bancadas, onde quase toda a gente estava de pé, aos saltos. Num concerto forte nas canções, na interacção com o público e no delírio deste, até ocasião houve para ouvir “People Have The Power”, de Patti Smith, entoado a plenos pulmões pela diva pop inglesa. Até no meio da plateia Florence cantou, abraçou fãs e correu com a bandeira portuguesa, oferecida por alguns dos mais dedicados admiradores. Em suma, um verdadeiro espectáculo, de uma grandiosidade que não se viu durante os três dias do festival. Mas nem tudo precisa de ser gigante pra ser bom.
Para quem não sentia grande atracção pela máquina de Florence, houve alternativa no Palco Carlsberg (Sala Tejo). Fusão e mais fusão com Criolo, primeiro, e Throes + The Shine, depois. Em primeiro lugar, agradecer à Márcia por nos ter apresentado Criolo. No concerto deste sábado, Criolo subiu ao palco para cantar “Linha de Ferro”, do novo disco, com Márcia, que anunciou também que o brasileiro ia tocar ao fim da noite, no Palco Carlsberg. Não estava nos planos, mas foi a dica certa para quem não queria ver Florence + The Machine. No entanto, a tarefa era difícil, porque 98% do público estava na sala principal do Meo Arena e a verdade é que um músico deste calibre, merecia mais gente. Ainda assim, para os poucos que estavam na Sala Tejo, foi um concerto impressionante, a transbordar de energia e boas vibrações. A música de Criolo carrega, claro, uma tradição da MPB, mas disfarça-a com toques ora rock ora hip hop ora funk. Mas um hip hop orgânico – com uma excelente banda, com guitarra, baixo, bateria e teclas – e com um groove que só se alcança no país irmão. Em cima dessas camadas, as letras de Criolo, escrita fina cantada em voz quente. Apesar de curta, a plateia respondeu com multi-amor ao empenho que vinha de cima do palco, e Criolo sentiu esse calor, quando tentou acabar o concerto foi tão forte o pedido de bis que ainda tocou mais uma canção. É disto que se faz a música ao vivo, momentos únicos de comunhão entre público e artistas, onde o que mais importa não são números, mas emoções.
Após o concerto de Criolo, a Sala Tejo esvaziou de tal maneira que chegámos a ter pena da banda que junta kuduro ao rock. Os Throes + The Shine mereciam mais. Quando subiram ao palco, o quarteto luso-angolano tinha que se abstrair da sala vazia e dar um valente concerto para quem ainda resistia às duas da manhã. Não sabemos se o som poderoso se fazia sentir lá fora mas a verdade é que o público foi crescendo e crescendo e do nada, a sala encontrava-se relativamente bem composta. A energia foi tão grande que acredito que do tecto da sala jorravam gotas de suor tal o ambiente festivo criado por Igor Domingues, Marco Castro, André Do Poster e Diron Shine. Já passam das três horas e já ninguém aguentava com uma gata pelo rabo. E quando assim é, é porque tudo foi bom.
Estava terminado a 21ª edição do Super Bock Super Rock, pela primeira vez na zona nobre do Parque das Nações. Um festival que pode pecar por ter deixado o lado festivaleiro de parte, dos concertos a céu aberto mas que ganha pontos a nível de conforto, pois as várias salas e palcos são muito perto uma das outras, o número máximo de público não ultrapassará os 20 mil, o que permitiu às pessoas ver todos os concertos muito perto dos palcos e sem grandes problemas para se movimentar. Um festival que tem wcs muito mais cómodos que qualquer festival e que tem lugares sentados para as pernas mais cansadas. O 21º SBSR veio com um conceito algo diferente do que estávamos habituados mas ganhou a aposta. Que venha a edição de 2016!
Texto: Frederico Batista, Francisco Marujo, Luís Marujo
Fotos: Sofia Mascate e Francisco Pereira