Que melhor noite para se tocar num registo melancólico e muito “lusco-fusco” do que na suposta última noite antes de começar o Verão? E há qualquer coisa de belo que só os últimos dias de Primavera nos dão. O sol já lá anda mas a nossa alma ainda está nostálgica e lânguida como se o Outono ainda cá morasse (e pelos vistos ainda mora, mesmo tendo começado, oficialmente, o Verão.) E foi isso que os Beautify Junkyard nos transmitiram ontem no MusicBox. Eles querem chegar a esse Verão mas para isso não podem cortar etapas e temos que “sofrer” o Outono, Inverno e Primavera antes de lá chegar.
Num Musicbox algo morno em termos de público, num concerto que abre a tour dos Beautify Junkyards, nascidos das cinzas dos Hipnótica, que estavam aqui a apresentar o seu primeiro disco composto por versões de bandas tão díspares como Nick Drake ou Kraftwerk, passando por Donovan e Heron, todas no espaço temporal entre o fim dos anos sessenta e o início dos setenta.
O concerto começou também ele algo morno, como que a comprovar que este Verão ainda não começou. Porém a partir de “From the Morning”, de Nick Drake, o ambiente foi lentamente aquecendo até chegar ao ponto mais alto do concerto com a belíssima “Fuga Nº2″, versão dos Mutantes muito bem conseguida pela voz de Rita Vian que nos transportou para o mundo fantástico dos Mutantes que coincidentemente casa tão bem com os tumultos que estão a assolar o país irmão (…”para onde eu vou, venham também”). O outro momento alto da noite chegou logo a seguir com a “surpresa” de uma versão, também ela influenciada pelos recentes acontecimentos no Brasil e a chegar como uma homenagem/apoio a tudo o que se está a passar, do nosso próprio poeta de intervenção, Zeca Afonso com a música “Que o amor não me engana”. Os Beautify Junkyards levaram a música do Zeca para o universo psicadélico dos Pink Floyd do início da carreira onde tocavam em clubes como o UFO Club. As próprias imagens que apareciam por trás da banda, mudando a cada música, a isso também levavam.
Este disco, segundo o próprio João Branco Kyron nos confidenciou, surgiu pela sua necessidade de se “replantar”, sair do “barulho” da cidade e sentir o cheiro da terra. Para que este sentimento fosse real a banda foi gravar o disco, literalmente, para o meio do campo, onde com um estúdio móvel, passou 24 horas a gravar.
Penso que este ambiente pretendido teria resultado melhor noutro tipo de espaço. O MusicBox, para além de não conseguir ter um som perfeito, tem uma aura demasiado urbana para o som que saia das colunas e da aura que a banda pretendia, sobretudo nas partes instrumentais que, para mim, são um dos pontos mais fortes destes Beautify Junkyards. Tivesse sido num palco secundário, em fim de tarde, quase lusco-fusco, e o seu som teria sido perfeito. À atenção dos festivais de verão.
Como banda têm tudo para dar certo, inclusive têm ganho bastante visibilidade e “airplay” no estrangeiro, porém acho que eles próprios deviam estar mais descontraídos, menos sérios, ouvir o seu bom som e deixarem-se levar pelos seus sons pastorais psicadélicos…