E ao segundo dia, a boa pop saltitante de Beck e o icónico regresso dos Pavement. Mas houve mais: tirámos o chapéu a King Krule e fizemos a devida vénia aos Montanhas Azuis.
O dia 2 do NOS Primavera Sound começou bem cedo para o Altamont. Um dos melhores discos portugueses dos últimos tempos iria ser reproduzido em parte no Palco Super Bock. Montanhas Azuis, projeto instrumental de Bruno Pernadas, Norberto Lobo e Marco Franco, mostrou-se ao pouco público presente eram 17 horas. Ter instrumentistas de exceção ajuda sempre, mas o espaço em que atuaram não tem a intimidade que o som em causa necessita. Mas tudo bem. Ver portugueses deste calibre no segundo dia do NOS Primavera Sound era algo que esperávamos com alguma ansiedade. Convém recordar o destaque que demos ao álbum de estreia, Ilha de Plástico, em devido tempo. Parecem pequenas histórias de filmes felizes, aquilo que fazem em palco. Camadas oníricas que sugerem, por vezes, algum kraut dos anos 70. Kraut alemão com sotaque de bossa-jazz portuguesa. Se faz sentido a descrição? Enfim, em cada cabeça morará o juízo certo. O nosso não estará muito longe dessa descrição. Ame-a, ou deixe-a! Por nós estará sempre tudo bem. Que bonito início de jornada!

Um pulinho mais ao lado, no Palco Binance, a também portuguesa Rita Vian apresentou o seu EP de estreia, Caos’a. As misturas são muitas e tão variadas que pode parecer estranho que façam sentido, mas é o que acontece. Fado, música do mundo, algum ritmo dançável e letras curiosas (“tenho uma viagem para fazer cá dentro” é um bonito verso). “Sereia” talvez seja o tema mais conhecido, e isso notou-se. Ou “Purga”, outro bonito tema.
Pouco passava da hora marcada quando os Slowdive entraram em palco, no principal. Aquelas guitarras à Durutti Column (mítico Vini Reilly!) são sempre boas de ouvir. A voz de Rachel Ann Goswell é que não passou o teste, pelo menos de início. Problema do som, seguramente. Com os instrumentos nem tanto, e por vezes, se fechássemos os olhos, ouvíamos as guitarras dos Wire também. No entanto, com o decurso do concerto, o som permanecia parco, já incluídos os instrumentos. Não arruinou o concerto, longe disso, mas a onda dos britânicos merecia melhor sorte. Enfim, restou-nos compor nas nossas cabeças o que conhecemos das suas canções, superando as falhas audíveis. Já deu para o gasto.

Se falarmos em Archy Ivan Marshall, poucos reconhecerão nesse nome o indivíduo conhecido como King Krule. Aí, já todos pensarão no rapper cantor e produtor britânico. Guitarra em punho, voz com a aspereza de Callahan e o timbre rouco de Waits, arrancou bem. Interessante mistura de dark wave, trip hop, rock e tanta outra coisa sem ponta de facilitismo. O homem que diz gostar de Billy Bragg, Fela Kuti, Chet Baker, Pixies e Libertines tem tudo para correr bem. E correu. Concerto pesadinho e bem rasgado, bem rockeiro, certeiro aos ouvidos mais alternativos. Letras interessantes, também. Sobretudo quando as entendemos. Há gente com pronúncia lixada. Mas há morte e sexo, destruição e inquietação também. Tudo certo, portanto, para a arte das canções. Chapéu tirado a King Krule, que era tempo de fazer mais umas centenas de metros para ouvir o nosso mais adorado loser, enquanto no palco ao lado cantava a revelação do país vizinho, de nome Amaia. A pamplonesa teve muita gente a assistir ao seu concerto, o que a deixou radiante, uma vez que é a primeira vez que atua fora do seu país. Cantou “El Relámpago”, “Yo Invito”, “La Canción que No Quiero Cantarte” ou ainda a cover de Los Planetas “Santos Que Yo Te Pinté”. A simpatia em palco é mais que muita, pelo que quem a ouviu, ficou satisfeito. Fez até a gentileza de tocar “Fiebre”, de Bad Gyal, que tocará no mesmo palco, no derradeiro dia do Festival. Mas tínhamos de seguir caminho. Alguém muito importante esperava por nós.
Há muito que Beck não nos visitava. Ultimamente, dizem alguns, terá perdido a chama e o encanto iniciais, longe da obra-prima Odelay. Coisas que não fazem sentido quando se trata de um músico sempre em busca de inovação. Beck já fez de quase tudo, (menos música clássica e poucas coisas mais), por isso a expectativa era muito grande. Que Beck teríamos na segunda noite do NOS Primavera Sound? Teríamos de esperar mais um pouco, na certeza de que valeria a pena, obviamente. E claro, foi surpreendente! Quando arrancou, não parou mais, misturando temas, sempre em festa constante, sempre em delírio. Mais de meia hora em excesso de velocidade. “Devil’s Haircut”, “Qué Onda, Guero”, “Nicotine and Gravy”, “Girl” e tantas outras! Um sonho à nossa frente, um enorme desfile da arte de como ser feliz ouvindo música em forma de medley! Depois, uns temas mais tranquilos. Havia que respirar um pouco. “Lost Cause” foi brilhante, como seria de esperar. Depois, mais festa ainda. Até ao fim, com “Loser” e “Where It’s At”. Uma enorme farra do branco mais negro de Los Angeles! A roçar a perfeição!

Finalmente, e depois de mais de uma hora de espera, chegou o tão esperado concerto dos Pavement, banda de grande importância no planeta Indie rock dos anos 90 do século passado. Cumprido o longo hiato da carreira dos norte americanos, decidiram voltar, daí a ânsia em vê-los. O concerto, na verdade, trouxe-nos mixed feelings. Começou muito bem, mas depois a voz de Malkmus começou a falhar. E se é verdade que o canto nunca foi o principal trunfo do músico, também não terá ajudado o estado “ligeiramente tocado” em que parecia encontrar-se. Alguns dos temas mais conhecidos da banda foram tocados (“Cut Your Hair”, “Shady Lane”, “Spit On a Stranger”, ou mesmo “Stereo”), mas outros não. Talvez a ausência mais sentida tenha mesmo sido “Here”, canção tremenda que seguramente todos esperávamos ouvir. Convém dizer que um dos grandes encantos dos Pavement sempre foi um certo “who gives a shit?” e ainda uma boa dose de extraordinárias imperfeições. Foi isso que ontem ocorreu à nossa frente durante uma boa parte do concerto, que começou bem, desceu alguns degraus pelo meio, tendo terminado em nítida ascensão. No entanto, serão sempre mágicos, Stephen Malkmus e companhia. Portanto, foi um pouco desse encanto que nos ficou. Com sabor a pouco, é certo, mas isso pouco significado tem, e a razão é simples: eles estiveram a escassos metros de nós, tocaram para nós e isso foi mesmo o mais importante.
Era hora de regressar a casa. O terceiro e último dia do NOS Primavera Sound parecia já começar a reclamar a nossa presença.
*nota de lamento: não conseguimos estar presentes em Arnaldo Antunes, mas o facto de ser quem é, obriga-nos a este sumário rodapé. O ex-Titãs, membro dos Tribalistas e autor de importante carreira em nome próprio, merece esta singela menção.
Fotografias: Inês Silva