O concerto dos Vampire Weekend era o mais esperado da noite. No entanto, os bons e velhos Primal Scream e Johnny Marr deram igualmente boa conta do recado. Um trio de ases de respeito a marcar o cartaz de mais uma longa maratona musical!
Iniciar o segundo dia do NOS Alive 2019 com um concerto surpresa, pareceu-nos ser boa ideia. Como já aconteceu no passado, o Palco Coreto by Arruada voltou a proporcionar essa “boa dúvida” aos festivaleiros. É curioso constatar a expectativa de quem, à hora marcada, marca presença no local do concerto. Não resistimos e fomos espreitar também.

A surpresa era Márcia (“Olá, eu sou a surpresa” foram as palavras iniciais da cantora), que também toca hoje, mas noutro palco, no EDP Fado Café. Apenas de guitarra a tiracolo, Márcia fez um bonito set acústico (à imagem de um “anjo enganador” e misterioso) e foi, digamos assim, um aperitivo para o seu espetáculo mais “a sério” de logo à noite. Foi curto, cantou os seus temas mais conhecidos, e o mínimo que podemos dizer é que a “menina culta” esteve bem.
Enfim, vamos lá ser honestos. Os primeiros sons que ouvimos ontem não foram verdadeiramente os da Márcia, mas sim, embora só de passagem, da menina Pip Blom, que nos pareceu ser uma Courtney Barnett wannabe. Cheia de energia, ela e os seus rapazes. Vieram da Holanda, de Amesterdão, mas parecia terem vindo de Sidney, Austrália, como a “original”. Os Pip Blom têm a sua piada. Sigamos em frente.
Trace Nova, o cantor americano de r&b, subiu ao palco NOS Clubbing para animar o público mais jovem que já se fazia sentir em grande número ao final da tarde deste segundo dia do NOS Alive. As suas canções são todas muito semelhantes, mas a receita sobrevive bem. Pop misturado com batidas de hip hop que servem apenas para fazer abanar a mão para cima e para baixo dos que idolatram nomes como Drake, por exemplo. Com uma banda de 5 elementos, algo incomum para este género de música, conseguiu com facilidade animar o público. Diz-se que pode vir ainda a ser um nome de referência neste género musical.

A jovem lisboeta Filipa Marinho subiu ao palco de forma tímida, mas mal abriu a boca para cantar foi imediatamente sentida a sua presença. É um projeto com apenas alguns meses de existência pública, mas já alguns anos de escrita de canções e melodias. Acompanhada apenas de um guitarrista (não precisou de mais para chegar com agrado aos ouvidos de quem a ouviu) tocou algumas das canções que vão fazer parte do seu primeiro álbum, com data prevista para este outono. Marinho tem um timbre muito singular, uma voz frágil mas segura, canta sobre amor, sobre Joni Mitchell ou sobre um momento em que partiu a cabeça num episódio cómico com o seu antigo vizinho Orlando, que dizia ser muito bonito, ainda do tempo em que a mesma “achava que gostava de rapazes”.
Foi um concerto pequeno mas que deixou uma enorme curiosidade para o longa duração que a artista vai lançar logo depois da estação do calor passar. Cá estaremos para o ouvir, de ouvidos curiosos e abertos.

Mas vamos a assuntos sérios. Não se consegue entender que no alinhamento do dia de ontem, os nomes de Primal Scream e Johnny Marr tivessem habitado num mesmo intervalo de tempo. Andámos a “fazer piscinas” para tentarmos ter o melhor de dois mundos. Do lado escocês ouvimos em delírio, junto às grades, “Movin’ On Up”, “Jailbird”, “Can’t Go Back”, “Miss Lucifer” e “Kowalski”. Como julgávamos conhecer o alinhamento dos dois concertos, fomos até ao palco Sagres a tempo de ouvir a soberba “Bigmouth Strikes Again” e “There Is a Light That Never Goes Out”, mas Johnny Marr trocou-nos as voltas e os outros temas dos Smiths previstos, e que julgaríamos poder ouvir, não ouvimos. Daí retomarmos a ideia inicial deste parágrafo: não se faz isto aos milhares daqueles que, como nós, queríamos e merecíamos ouvir os dois concertos na integra. Foi uma dor de alma! No entanto, há ainda que dizer que o que fomos ouvindo em ambos os palcos deu para encher meia alma. Apenas isso. Soube a pouco e a frustração. Mas Primal Scream e Johnny Marr são top notch!
Mal o rapper Plutónio começou a disparar as suas primeiras palavras, ainda antes de entrar em palco, o público já gritava alto. Mais uma vez, o Palco NOS Clubbing reuniu a juventude que de encontrava no recinto para fazer a festa. Plutónio já não é um nome de todo desconhecido para quem presta atenção ao hip-hop nacional, e já há muito que tem o seu lugar bem definido nessa indústria, o que se confirmou durante a sua atuação. Sabe bem como dominar a plateia e sabe que, seja qual for a canção que tocar, as suas letras vão ser gritadas alto e em bom som. O rapper que “viveu sempre na tuga” já nela se instalou faz algum tempo. A ideia é que chegou para ficar.
A primeira impressão que se tem é que os Greta Van Fleet querem soar a Led Zeppelin. Mas enfim, há que ter cuidado quando o modelo “copiado” é do calibre da banda de Robert Plant, Jimmy Page e companhia. Não importa haver apenas espalhafato e ruído, há que ter grandes canções. Também é certo que a comparação é nossa, e por isso todo o objeto comparado perderia imediatamente por KO. Talvez estejamos a ser injustos para com o grupo de hard rock americano. Talvez. No entanto, os gémeos Josh Kiszka e Jake Kiszka e o irmão mais novo Sam, todos nascidos em Michigan, terão ainda algum bom caminho a percorrer. Se vão ou não no caminho certo, o futuro encarregar-se-á de nos transmitir.

A australiana Tash Sultana subiu ao Palco Sagres sozinha e assim permaneceu durante toda a sua atuação. Este fenómeno da internet, que começou apenas com vídeos gravados com uma simples GoPro, viu a sua música crescer para palcos grandes e festivais com uma dimensão maior da que alguma vez poderia esperar. Ao longo do concerto tocou muitos instrumentos. Guitarra, baixo, teclados, e com ajuda de vários pedais construiu uma atmosfera de quase meditação. Teve muita gente a assistir à sua reza.
Boa multidão de gente para receber os jovens vampiros. Repetentes no NOS Alive, embora desta vez no palco principal, a banda de Ezra Koenig excedeu as boas expectativas que tínhamos. As canções pareceram mais encorpadas, em alguns casos até mais interessantes do que os registos originais de estúdio. Começaram a abrir, a espalhar hits como “Umbelievers”, por exemplo. O público, atento e conhecedor, reagiu sempre a preceito, mesmo nos momentos menos intensos e mais “planantes” como “Sun Flower”, tocada ontem numa versão bem mais negra e densa do que a original. Na verdade, já tínhamos saudades destes rapazes. É de notar o enorme crescimento que tiveram desde a última vez que por cá passaram. O tratamento e as alterações dadas aos temas nada se assemelham com o que faziam em palco há seis anos, se não nos falham as contas. Evoluíram, e isso nota-se mais ao vivo do que em disco, parece-nos. Mais ainda: onde está a banda que começou colada aos sons de Graceland, de Paul Simon? Pois é, nem vê-la. Vestígios, apenas. Só a voz de Koenig ainda soa a jovem teenager, a rapazola que nem idade tem para levar um tabefe. Mesmo se assim fosse, pelo que mostrou ontem, não lho daríamos, sobretudo depois da inesperada versão de “Jokerman”, de Bob Dylan. Belíssimo e adulto concerto, tendo como princípio básico que avaliar é sempre comparar. Estão bem crescidos, estes Vampire Weekend.

Aos setenta e um anos de idade, Grace Jones continua com corpo de serpente, esguia, misteriosa, exótica. Tínhamos curiosidade em assistir ao seu concerto. É bom dizer-se que em termos meramente musicais, Grace Jones pouco fez para merecer grandes encómios. Os louvores tendem a recair sobre ela pela figura emblemática que sempre foi, projetada ao estrelato absoluto por via da sua participação como má da fita no longínquo A View To a Kill, o 007 de 1985. A jamaicana, no entanto, ainda anda pelos palcos do mundo, e há muito pouco tempo recusou uma participação no próximo filme da série Bond. A razão terá sido por lhe querem dar um papel pouco relevante. Grace sempre foi uma mulher de garra, e isso ainda se nota em palco. E também uma mulher cheia de groove. Por via disso, não parece ter a idade que tem. Queríamos ter ouvido “Nightclubbing” e sobretudo “La Vie en Rose”. Como não conseguimos assistir ao concerto na sua totalidade, ficámos na dúvida se teriam sido tocadas ou não. Tudo ok, o que ouvimos foi o suficiente para matarmos a curiosidade que tínhamos. A camaleónica jamaicana acabou por passar na prova. Veremos o que trará o novo álbum, que como a própria nos disse, vem a caminho.
À hora marcada, os americanos Gossip subiram ao palco principal do NOS Alive de forma discreta e nada pretensiosa. Beth Ditto mostra-se humilde quando fala com o público, pedindo várias vezes desculpa por não falar português. Trouxe discursos anti-Trump, imediatamente aplaudidos pela boa massa de gente que a ouvia. A banda tocou todos os hits dos seus vários anos de carreira, dando maior destaque ao álbum Music For Men, que comemora uma década de vida em 2019. São músicas com um pulsar dançante, que contrastam sempre muito bem com a voz rouca e gritante do rock de Ditto. Foi um concerto militante contra o fascismo, o preconceito e o ódio, existindo nele apenas espaço para a celebração da vida.
O Segundo dia do NOS Alive 2019 estava a chegar ao fim. Faltava ainda assistir ao concerto dos Cut Copy, a banda australiana que soa um pouco como os New Order, salvaguardando as devidas distâncias. Estiveram bem e são ótimos para final de festa, sobretudo quando às três da manhã o álcool já é muito, e dançar parece ser o único remédio para o corpo.
Texto: Carlos Vila Maior Lopes e Lourenço Lopes || Fotografia: Inês Silva