Finalmente, o NOS Alive abriu as portas à música e ao verão! A décima terceira edição do maior Festival do país aconteceu ontem, e o Altamont esteve por lá para que nada vos faltasse agora.
Todos os caminhos iam dar ao Passeio Marítimo de Algés. O Altamont também seguiu esses mesmos trilhos, disposto a ouvir música, muita música. Como sempre acontece, os vários palcos do recinto proporcionam variedade de estilos e ritmos, por isso foi necessário fazer uma agenda do que queríamos ver e ouvir. O primeiro dia do NOS Alive 2019 foi mais ou menos assim.
A tarde começou com Jasmim, no Palco Coreto. Um concerto ainda com pouco público, mas com uma mensagem para ser ouvida, como foi repetido variadas vezes no tema inicial “Agora Aqui, Aqui Agora”. Acompanhado apenas de Beatriz, que também tem um projeto musical (April Marmara), tentaram arrefecer o calor da tarde com melodias doces e harmonias que entraram diretamente no coração de quem as ouviu. Foi um começo de festival calmo e bonito.
O ritmo foi acelerando no gig dos britânicos Honne, que subiram ao palco Sagres já com uma pequena multidão à sua frente que sabia as letras e os recebeu pela primeira vez em Portugal de forma calorosa. Com arranjos pulsantes e ritmos que por vezes fazem lembrar a fase mais recente de Bruno Mars, embora com uma escolha de sons mais apelativa. Pop bem feita, que fez com que os estreantes em território nacional fossem recebidos de braços no ar e com uma energia contagiante.

Com o tempo tão quente e dry, soube bem ouvir Linda Martini. Quando se trata da banda de Queluz, sabemos exatamente com o que contar. Letras algo enigmáticas, alguma furiosa melancolia, boa presença em palco e o mosh do costume dos fiéis do grupo. Os Linda Martini são já veteranos do nosso rock, e por isso abriram o palco principal do NOS Alive 2019. Respeito e consideração por este quarteto. Bom concerto, como é costume acontecer.
A norte americana Sharon Van Etten teve pontualidade britânica, ao segundo. Enorme presença em palco (não fosse ela também atriz), Sharon consegue manter uma pose enigmática e rock n’ roll ao mesmo tempo. Com temas certeiros e com boa pegada elétrica, o concerto decorreu envolto num calor insuportável. Benditos líquidos de todas as cores que nos foram acompanhando durante as horas mais intensas. Embora com álbum novo gravado, as canções mais antigas foram as que resultaram melhor, ou pelos menos as que tiveram mais impacto no público. “Seventeen” foi magnífica! Compreende-se. É uma ótima canção. O que é conhecido já não se estranha. Mas o tempo em festivais é sempre um sufoco, e tínhamos Weezer a piscar num horizonte pouco longínquo. Lá fomos nós.

O indie rock dos Weezer foi a receita perfeita para o final da tarde de ontem. Os californianos, com os seus temas e as suas versões de outros artistas e bandas, são sempre divertidas. Ver Rivers Cuomo de chapeuzinho branco foi ainda mais hilariante. A banda dos “álbuns coloridos” trouxe ao NOS Alive a boa onda ensolarada do seu recanto do mundo para aquecer ainda mais o ambiente. Com “Take on Me”, foi a loucura. Os A-ha teriam gostado e dançado a preceito, mesmo tendo falhado o som a meio do tema, durante alguns segundos. A nova “Feels Like Summer” tem um toque de ska bem curioso. Enfim, o summer dos Weezer juntou-se ao nosso e foi engraçado, até ao último pingo de suor, embora fosse desastrosa a interpretação da azeiteira “Africa”, dos Toto. Mesmo assim, rock on!
Samm Henshaw entrou em palco com um pequeno problema no microfone mas rapidamente ganhou a atenção do público com a mensagem “how does it feel to be loved?”. Vestido de branco com um gorro vermelho, mostrou que a simplicidade estava apenas na roupa que vestia, pois a sua voz poderosa, que muitas vezes faz lembrar John Legend, fez-se ouvir em cada canto do palco NOS Clubbing, onde já se juntavam algumas pessoas que dançavam de forma coordenada, seguindo os passos do britânico. Samm não é apenas um mero rapper. Todas as suas letras/canções levam-nos para um mundo próximo do soul, e com a ajuda do public tudo se tornou num quase gospel, transformando o palco NOS Clubbing numa espécie de igreja.
E que tal um bocadinho de bom jazz ao cair da tarde no Palco Coreto by Arruada? Sim, com certeza. Foi o que fizemos. Ouvir Coltrane e Miles Davis com “sotaque” português é coisa que não se podia perder. Power trio jazzístico de primeira, sim senhor. Três temas longos souberam como água fresca em garganta ressequida. Ótimo concerto de Ricardo Toscano!

Os Ornatos Violeta começaram a sua atuação com “Circo de Feras”, dos Xutos e Pontapés. Bom início, portanto. Depois, Manel Cruz foi desenrolando temas amigos e nada monstruosos. “Ouvi Dizer” foi o primeiro tema em nome próprio mais conhecido e o público reagiu em delírio, como seria de esperar. Nos primeiros 20 minutos, já Manel Cruz tinha tirado e posto a t-shirt várias vezes, numa indecisa “coreografia” encalorada. No fundo, Manel Cruz só “queria estar bem”, exatamente como a imensa multidão à sua frente também se sentia perante o concerto da mítica banda do Porto, extinta durante anos e agora reativada. Talvez se tenha, entretanto, perdido o encanto de outros tempos, mas reviver esse passado traz boas e muitas recordações. No fundo, é apenas isto: “Acendeu-se a luz / Estão vivos outra vez”.
Após alguns minutos de um DJ em palco a passar algumas das canções mais badaladas do hip hop recente (nomes como Lil Nas X ou Travis Scott) , Kojey Radical entrou em palco de forma explosiva bem, o que acabou por acontecer com todas as canções que cantou. Mostrou-se muito satisfeito ao longo da atuação, espantado pelo facto do público saber a maioria das letras. Foi um concerto que nos fez dançar, saltar e suar em bica. É isso que se espera de um concerto de hip hop, certo?

Poucos minutos antes das 22 horas, Jorja Smith pisou pela primeira vez um palco português e foi recebida de forma invejável, com muito amor pelo público que há muito a queria ver por cá. Não tardou muito até cantar os hits “Teenage Fantasy” ou “Blue Lights”, e assim conquistar o público. Com uma presença em palco ainda um pouco tímida mas bastante apreciada por todos os que gritavam alto sempre que ela sorria ou fazia um falsetto mais arrojado, Jorja abrilhantou a noite tórrida deste primeiro dia de NOS Alive. O sucesso de Jorja no mundo da música de hoje em dia não é algo difícil de entender. Por muito que as melodias possam fazer lembrar nomes da soul, do r&b ou do jazz, ou ainda em alguns momentos a malograda Amy Winehouse, é a voz doce e cândida de Jorja que agarra o público, isso e os refrões bastantes orelhudos que cantou ao longo da sua atuação.
O post-rock (muitas vezes) instrumental dos Mogwai regressou de novo a Portugal. Celebram 20 anos de carreira, e essa é a razão principal da tour que estão a realizar, e por isso tocaram ontem no NOS Alive. As suas composições são, muitas vezes, uma mistura de space-rock com algum experimentalismo. Nos momentos certos, ouvir Mogwai pode resultar bastante bem. Como não é coisa dada a cantorias, muitos são os que viraram a cara à música da banda escocesa. Outros, e ontem foram bastantes, não se cansam de os ver ao vivo. Não estaremos errados se dissermos que são já oito as vezes que pisaram solo luso. Ontem foi mais uma. E ver alguém em palco envergando uma t-shirt dos Neu! vale sempre a pena.
O “rap batucado” de Emicida bombou forte no NOS Clubbing, mas mal se podia entrar no espaço desse recinto. Longe do palco, ainda ouvimos três ou quatro temas do brasileiro. Pareceu-nos mais agressivo, mais inquieto do que é costume. Só a presença de Mayra Andrade o acalmou um pouco.
Entretanto, no mesmo horário, o trio português Vaarwell subiu ao palco Coreto by Arruada para apresentar as canções do mais recente EP, Early Rise. Canções com um corpo eletrónico complexo que contrastam com a voz doce e suave de Margarida Falcão (metade do duo folk Golden Slumbers) foram e são o segredo deste grupo que soube dominar o público à sua frente, que é sempre um espaço difícil de controlar. Não foram precisas grandes interações com para fazer com que a massa de gente que lá estava dançasse ao som de canções como “Young”, a melancólica “Money” ou “I Hate To See U Go”, que finalizou o ótimo concerto.
Em seguida, demos um salto até ao EDP Fado Café. Salto dado também no tempo, até aos anos oitenta, para ouvir Variações. A nostalgia é uma coisa tramada. Para se viajar no tempo, não há melhor transporte. No ínfimo espaço onde os Variações atuaram, foram muitos os que seguramente se sentiram nos anos oitenta, em pleno Trumps, a mítica discoteca onde por vezes António Variações atuava. Ele, o artista, e o seu “anjo da guarda” vieram ontem ter connosco ao EDP Fado Café e todos fizemos de conta que o que ali se viveu durante alguns bons minutos era mesmo verdade. Não há maior engano do que fingirmos o que sabemos já não existir. Mas também não há maior remédio para matar saudades. Foi bom enquanto durou, e para muitos durou uma vida inteira.

O que dizer de um concerto dos The Cure que não tivesse já sido dito? Pouca coisa, certamente. Mesmo assim, arriscamos dizer que os veteranos ingleses (o aspeto físico não conta, que a idade pesa e o passado de má vida ainda mais) estão em boa forma. É uma banda mítica, com história suficiente para um ou mais compêndios de bom gosto e de bom estilo. E depois, ouvir temas como “In Between Days” e “Just Like Heaven” de seguida, dão cabo de um tipo, caramba! Seguiram-se muitas outras. “Pictures of You” e o seu tom meio épico é uma canção fabulosa. “I Will Always Love You” também. Ou a velhinha “A Forest”. Enfim, poderíamos ficar a listar temas o texto todo, como ficámos boa parte da noite a ouvir canções maiores do que a vida! Continuam enormes, Robert Smith e companhia. Nota ainda para o fantástico som do concerto. Quem mexeu nos botões da mesa de som, sabe muito do ofício.
Enquanto a maior parte das pessoas se reunia junto ao palco NOS para ver os cabeças de cartaz The Cure, no palco Sagres fazia-se ouvir Robyn. Músicas pop feitas de forma interessante serviram para animar quem fazia a festa a cantar e a dançar as canções da cantora sueca. O palco Sagres ganhou uma nova vida com Robyn, revestido de branco, com um grande pano que cobria quase metade do seu tamanho. Mudou de aspeto, mas não perdeu a sua essência, a de fazer dançar através de canções como “Love is Free Baby”. Foi um concerto em que a cantora tocou várias canções do seu mais recente disco (Honey), fechando-se assim o palco Sagres na primeira noite do NOS Alive 2019.
Bem mais tarde, os Hot Chip alegraram os resistentes com as suas dançantes eletrónicas. Indietrónica, como alguns lhes chamam, para acabar a noite. Daqui a poucas horas há mais NOS Alive, mas isso é coisa que já não tem lugar neste longo texto.
Texto: Carlos Vila Maior Lopes e Lourenço Lopes || Fotografia: Inês Silva