
Olhando para a minha colecção de discos, há uma ausência nesta série que tem de ser colmatada.
Provavelmente tenho mais discos do Neil Young do que de qualquer outro artista. Bom, talvez em igualdade pontual com os Cure e com o Sérgio Godinho. A diferença é que estes são resquícios do antigamente, das viagens sucessivas à Feira da Ladra, à procura de completar toda a discografia deste ou daquele artista, e já pouco lhes pego. Já o Neil Young continua a rodar no stereo muito frequentemente. Há um disco que me agarra uma semana, 15 dias depois lembro-me de outro, etc.
É dos meus poucos artistas preferidos que não me lembro de como conheci. Foi a seguir à malta dos 60/70’s, a seguir aos Doors, à Janis, ao Jimi, aos Led Zeppelin. Foi depois, teria eu talvez uns 18 anos. E não foi amor à primeira vista. Gostei, e tal, mas acho que Neil Young é um bocado como o whisky, é difícil gostar à primeira, e se insistes cada vez gostas mais.
A resistência inicial terá tido alguma coisa a ver com aquilo soar um bocado a country. Quando eu era puto, pior que country só disco. Hoje em dia as coisas são diferentes. O Johny Cash é o maior, consigo gostar de algum Dylan e até o marado do Willie Nelson tem algumas coisas boas. Talvez eu esteja a ficar velho.
Numa carreira tão grande como a de Neil Young é muito, muito difícil escolher um só disco, até porque, em muitos casos, aquilo foi uma semana de gravação na garagem, e nem sempre há um verdadeiro conceito de álbum. Dos mais de 10 discos dele que tenho há um ou outro manhoso. Mas o resto é bom. É tudo bom. E estes que quero destacar, para mim, são os melhores.
Começando por Zuma, de 75. Este disco tem um significado para mim. Tem uma capa absolutamente horrenda, e depois de o comprar demorei algum tempo até lhe dar uma verdadeira oportunidade. Tinha eu uns 25 anos quando a miúda com quem eu estava me mandou dar uma curva, apesar de dois dias antes ter dito que se eu alguma vez a deixasse se matava. São merdas da vida. Pouco tempo depois, fiz uma viagem sozinho para o Algarve, para limpar a cabeça por uns dias. O Zuma entrou no leitor do carro, e de lá não saiu a viagem toda. É talvez o álbum que faz a melhor síntese entre blues, rock e country, as coordenadas de toda a carreira de Young. Destaco “Stupid Girl”, boa malha rock, e “Through My Sails”, uma brisa de fim de tarde de Verão gravada com os companheiros do antigamente Crosby, Still e Nash. Mas o grande destaque vai para “Cortez the Killer”. Sete minutos de blues e a primeira vez que o som da guitarra eléctrica de Young soou como só ele sabe.
Depois há Harvest Moon, provavelmente o maior sucesso da sua carreira. Disco de 92, com a preciosa colaboração de Jack Nieztsche, que já com ele havia trabalhado no marco que foi o Harvest, no início do percurso. Mais uma capa fateluxa, e mais um grande disco, do princípio ao fim. É uma ode à velha América, às Harleys, ao amor e à liberdade.
Passando para o grande Sleeps with Angels, de 1994. Provavelmente um dos seus discos mais rock, e dos mais complexos. É um verdadeiro álbum, com camadas e fantasmas que se repetem, escrito num momento pessoalmente difícil na vida de Neil Young e influenciado tematicamente pela morte de Kurt Cobain. É denso mas não é complicado. No fundo é rock e blues, e não há nada de complicado nisso.
Daqui faz-se uma boa ponte para On the Beach. É um album mais antigo, dos anos 70, mas só o conheci há coisa de dois anos, quando saiu a reedição em cd. Tal como em Sleeps with Angels, aqui temos Young a lutar contra os seus fantasmas, a tentar pelo menos lidar com eles. Mas, ao contrário de Angels, que é guitarra eléctrica em camadas, On the Beach é pouco mais que uma guitarra, voz e solidão.
Podia falar de outros grandes discos, Tonight’s The Night, After the Goldrush ou Silver & Gold. Continuaria a aborrecer-vos até amanhã. E já chega.
Ficam estes, de um tipo que é um exemplo.
No Alive, há uns anos, o meu grupo de amigos pirou-se todo para ver os Gossip, que tocavam mais ou menos à mesma hora. Fiquei ali, à frente, no meio da malta da velha guarda, a ver o velho Young a rockar como se não houvesse amanhã. Solos intermináveis mas sem o pseudo-virtuosismo, riffs de blues planando sobre as planícies americanas. Era um dos artistas que julgava não conseguir ver nunca ao vivo e, juntamente com o Tom Waits, aquele que eu mais queria ver. Os Gossip partiram tudo, dizem-me, mas o Neil Young proporcionou-me duas horas míticas e inesquecíveis.
Tantos anos depois, ainda aí anda, e ainda faz grandes discos. Um homem de causas, humano, e coerente.
Keep on rockin’ in a free world.
Grande texto! Honesto, e sem nada a esconder. Assertivo, como agora se diz tanto.