A primeira vez que tomei conhecimento da existência de Moreno Veloso, primogénito filho de Caetano e Dedé Gadelha, foi em 1983, quando comprei, nos últimos dias de dezembro, o disco Cores, Nomes, de que aqui já dei conta há algum tempo atrás. No encarte desse mesmo álbum surgia uma fotografia de uma criança muito morena, envolta numa toalha amarela. Era Moreno Veloso, que com o pai havia feito a canção “Um Canto de Afoxé Para o Bloco do Ilê”, constante desse mesmo LP. Moreno teria, na altura, 10 anos de idade. Agora, adulto e com obra já impactante na nova vaga da música brasileira (como compositor, instrumentista, produtor, intérprete a solo e em grupo) Moreno Veloso lança o seu primeiro disco de estúdio em nome próprio. Curiosamente, o seu primeiro trabalho a solo deu-se com o disco Solo In Tokyo, álbum bem distante das aventuras eletro-acústicas do excelente projeto +2, que também neste site já teve destaque, com texto crítico a propósito. Assim, em maio deste mesmo ano, a tão esperada estreia aconteceu. Já não era sem tempo.
Comecemos por uma breve referência à capa deste Coisa Boa. A escolha da imagem não é inocente, uma vez que Moreno mudou-se recentemente para a Bahia, seu verdadeiro espaço natal, deixando para trás o Rio de Janeiro, que boa parte ocupou na sua vida. Aliás, a primeira canção do disco talvez dê disso nota, mas cada coisa em seu lugar, e para já uma referência breve à fotografia da capa do ábum, que capta um instante (do presente ou do passado?) da Praia do Porto da Barra, na orla da cidade de Salvador. A escolha desta imagem combina perfeitamente com o âmbito saudoso do disco, e até com a nostalgia da sua infância passada na Bahia. Também nas letras de alguns temas isso transparece, visto que em Coisa Boa se projeta um certo universo lúdico-infantil e afetivo das crianças. Para além de todas estas conjeturas, o primeiro contacto positivo (visual, neste caso) com Coisa Boa começa logo pela fotografia de apresentação, belíssima não só no que mostra, mas também no tom de final de tarde das cores nela reveladas.
Coisa Boa tem apenas 35 minutos de duração. Nele constam 11 canções, e isso basta para me satisfazer bastante. Logo de início, na já referida canção de abertura (“Lá e Cá”) o ambiente do disco está lançado, e é bem assumido na própria letra cantada: “Em cada canção sou cego e sou guia / Lá e cá / Procurando o sossego e o amor”. Os deíticos de lugar que servem de título à canção, não se esgotam em significados restritos (lá e cá serão, porventura, a Bahia e o Rio de Janeiro), antes evocam espaços maiores de memórias, metáforas que são (ou podem ser) de universos musicais bem distintos, que este Coisa Boa pretende evocar, atualizando-os, e deles fazendo, ao mesmo tempo, a síntese que o presente do percurso musical de Moreno Veloso impõe. Não será por acaso que Coisa Boa revela, em momentos cirúrgicos e muito específicos de algumas composições, proximidades com o ambiente sonoro dos dois primeiros discos do projeto +2 (Máquina de Escrever Música e Sincerely Hot), mas também com o passado musical do seu pai, e das audições que fez (e terão sido muitas, seguramente) de discos como o já mencionado Cores, Nomes ou Jóia, por exemplo, de onde a canção “Num Galho de Acácias” (no jeito quase experimentalista da composição, sobretudo) poderia ter sido retirada.
Mas voltemos a um olhar mais genérico sobre Coisa Boa. É fácil notar a simplicidade dos arranjos, a delicadeza da voz de Moreno, a guitarra do amigo de infância Pedro Sá (músico notável, que integra desde 2006 a Banda Cê de Caetano), a vertente contemplativa e serena em permanente trânsito por todas as canções do disco, e algumas semelhanças, é bom dizê-lo, com um estilo composicional muito típico do pai Caetano, que entretanto foi pondo de lado desde que assumiu a vertente mais transgressora dos dias em companhia da Banda Cê. “Coisa Boa” (a canção), “Lá e Cá”, “Um Passo à Frente”, “Não Acorde o Neném” e a já referida “Num Galho de Acácias” (versão bem conseguida de “Un Peu de Amour”, de Stanislao Silesu) são momentos de extraordinária beleza. Não se pense, no entanto, que as outras canções do disco figuram num patamar distante destas. Nada disso. Um dos maiores trunfos deste trabalho de Moreno Veloso é não haver uma única composição que acabe por ficar esquecida, para trás, escondida por entre a beleza das outras 10. Em suma, e abreviando, ao ponto de finalizar o que vos queria dizer, este disco ocupa já um espaço seguro nos (meus) melhores discos de 2014. Será preciso dizer mais alguma coisa?