A Ronda dos Quatro Caminhos é uma daquelas histórias felizes que ainda vamos encontrando na música portuguesa. Ali, naquele campeonato onde jogam nomes tão respeitáveis e tão sonantes como os Gaiteiros de Lisboa ou a Brigada Victor Jara, o objectivo é a perpetuação e a revisitação da longa e riquíssima música tradicional portuguesa.
No caso da Ronda, o ritmo de edições e de espectáculos tem sido relativamente irregular ao longo dos anos, e já são cerca de 30 os que compõem o seu percurso. Daí que seja sempre reconfortante e refrescante verificar, com a audição deste novíssimo Tierra Alantre, que a ausência não significou esquecimento ou falta de interesse. Temos, perante nós, um dos tomos mais brilhantes da viagem desta banda.
Desta feita, o ADN alentejano da Ronda foi substituído por outras coordenadas geográficas, ainda que não com menos carinho ou acerto no tratamento dos temas. Tierra Alantre faz-se de Minho, de Trás-os-Montes, e da Galiza. O galego é, aliás, um dos destaques linguísticos, em conjunto com outro que nos é ainda mais querido: o Mirandês.
Temos, assim, 12 temas de “música tradicional ibérica”, se assim a quisermos apelidar. Temas feitos de carinho, sensibilidade e muita beleza. Para além da composição habitual da Ronda, temos neste disco a colaboração presentíssima do Coro do Teatro Nacional de São Carlos, da Orquestra Sinfónica Portuguesa e das Cantadeiras do Vale do Neiva, para além de outros artistas nacionais e da Galiza. É desta mistura que é feito este Tierra Alantre. Do popular ao erudito, da junção perfeita entre o canto livre dos campos e a pureza austera das mais prestigiadas “academias” de música em Portugal. A apresentação do disco, em Maio no Teatro Nacional de São Carlos, foi um triunfo, provando a sabedoria desta mistura.
É um disco uno, coeso, que se ouve muito bem, e coerentemente, do princípio ao fim, De qualquer forma, recomendo um dos temas que me foi mais querido desde que o ouvi: “”La Lhoba Parda”, cantada num irresistível mirandês.
Na década de 90, os Madredeus provaram que a música tradicional portuguesa podia não só ser bem tratada como também comercialmente muito bem sucedida. Talvez seja altura de revisitar esses tempos. Tierra Alantre e a Ronda dos Quatro Caminhos são, em 2014, a porta mais acessível para voltarmos a essa estrada onde já fomos, colectivamente, felizes.