Que se lixe a verdade, diz Born to Die a cada instante. A beleza é muito mais importante.
Antes de Born to Die não conta, a distribuição era obscura, ninguém queria saber. É este o primeiro disco a sério, e que impacto ele teve, pondo o mundo inteiro a amar ou a odiar Lana (com Del Rey nunca há meio-termo). Os críticos destrataram-na, acusando-a de inautenticidade. Não aceitaram que uma menina boazinha de boas famílias fingisse que era a Billie Holiday. “Onde é que já se viu uma menina branca e rica a cantar sobre bad girls e bad boys? A menina é burguesa. A menina pertence a uma classe sem futuro histórico.” Bah! Morte à crítica musical com óculos no fundo do nariz! Era pegar em paus de mikado gigantes e empalá-los pelo rabo acima!
O resto do mundo não quis saber destas minundências. Entregou-se por completo à beleza da sua melancolia estilizada; e como não se não há um único tiro ao lado em Born to Die, se são só canções memoráveis umas atrás das outras, se todas são respeitosas candidatas a singles? Como resistir à exuberância glamourosa das orquestrações e à elegância retro das suas referências? É que a tristeza em Del Rey nunca comete a grosseria de ser apenas um estado de espírito. Lana eleva a infelicidade à condição de pura estética, liberta de toda a plebeia psicologia. E como é bela a sua voz langorosa e morrente e afectada, sem gota de esperança, inteiramente entregue ao seu destino. Born to Die é uma declaração de amor ao artifício e aos clichés, à beleza que pode haver na falsidade, uma afirmação inequívoca da superioridade da arte sobre a vida. Não é à toa que Oscar Wilde tem sempre o disco a rodar no Spotify.
É também um típico produto da caldeirada pós-internet, com a Nancy Sinatra dos sixties a enfeitar-se com batidas trip-hop dos nineties, ou a guitarra trémula dos filmes do James Bond a conviver pacificamente com o flow gingão do hip-hop. Lana rouba a tudo e todos, e faz muito bem, pois o bom gosto das suas citações redime-a sempre. Rouba especialmente à cultura pop dos 50 e 60, sempre idealizada através do filtro sépia da nostalgia, como é apanágio de todo o contemporâneo que se preze. Tudo cabe nesta mixórdia retro: o olhar profundo porque míope do James Dean, as saias de Marilyn esvoaçando na brisa da nossa fantasia, o rosto de Blanche Dubois em “O Eléctrico Chamado Desejo” finalmente revelando as marcas da sua maldição. Não é à toa que invocamos aqui referências cinematográficas: nunca a pop se aproximou tanto do cinema como em Born to Die, film noir transformado em noir pop, Fritz Lang para a geração milénio. Born to Die é fumo, é noite, é jazz, é o desejo sórdido pela impúbere Lolita, é Bogart despedindo-se de Bergman em “Casablanca”.
Que se lixe a verdade, diz Born to Die a cada instante. A beleza é muito mais importante.