Um excelente disco de transição que reúne o melhor do que Mitchell já fizera e aponta pistas para o que viria a seguir.
Ao terceiro álbum, Joni Mitchell estava numa posição emocional diferente do que sucedia antes. Depois de se afirmar como compositora, os dois primeiros discos – sobretudo o segundo, Clouds – haviam feito dela uma figura de corpo inteiro no star-system do folk norte-americano, ombreando com Leonard Cohen, Crosby, Stills & Nash, Carole King, James Taylor ou Joan Baez.
Ladies of the Canyon, lançado em 1970, é de certa forma um retrato desse novo estatuto, desse tempo, de um período dourado em que Mitchell era uma das artistas reinantes (e uma das mulheres mais fascinantes e desejadas) de Laurel Canyon, a zona de Los Angeles que era residência e foco de criatividade de artistas, nomeadamente filhos da folk em transição, muitos deles, para um som mais rock.
O título do disco, aliás, remete mesmo para essa localização, como se Mitchell quisesse ancorar esse período num disco, para depois o abandonar, como viria a acontecer. Ladies of the Canyon é um disco de transição, embora na verdade isso possa ser dito de quase todos os discos da canadiana, que sempre abominou o conforto do lugar familiar.
Encontramos aqui a continuação dos seus dois primeiros trabalhos, uma folk mais simples e mais pura (como na abertura com “Morning Morgantown” ou na faixa-título). Mas traz também pistas sólidas do que viria nos trabalhos seguintes, com uma progressiva maior adopção do piano (em “Willy”, a sua canção de amor e perda dedicada a Graham Nash, poderia ser parte de Blue, assim como “Conversation”, a história de um triângulo amoroso impossível, ou até “The Arrangement”, onde o piano é o subtil motor acima do qual a voz de Mitchell levanta voo, livre).
Além disso, esta é a casa daquilo que mais próximo a cantora alguma vez fez de uma canção pop, com “Big Yellow Taxi”, uma espécie de hino ambientalista mas totalmente mundano e prosaico, inspirado por uma viagem ao Havai. Nesta altura, esta era uma música atípica para Mitchell, mas ela entrega-se com clara boa disposição. É também o álbum de “Woodstock”, um tema muito mais lento e profundo do que a versão de Crosby, Stills & Nash, e carregado de esperança e boas intenções num mundo melhor. É talvez a canção mais “literal” do período inicial de Joni Mitchell, retratando um acontecimento e a sua versão dele.
É, por isso, um álbum que traz a Joni Mitchell folk mas também a autora que procurava novas pastagens mais interessantes; que alterna temas mais “políticos” com outros mais pessoais e outros universais, como o encerramento com “The circle game”, sobre o crescimento e a vida.
Nas letras, na construção dos temas e na sua invulgar execução vocal (sem deixar de soar lindíssimo), Ladies of the Canyon ajudou a cimentar Mitchell como o talento mais único dessa geração, para quem tinha dúvidas. E ouve-se, hoje em dia, com a mesma reverência e o mesmo prazer de sempre.
É também um disco em que se sente o sol e uma certa esperança colectiva. A introspeção, a exploração da perda e da dúvida viriam a seguir, em Blue.