Já com grandes e cultuados discos na bagagem, Joni Mitchell estava disposta a fazer algo de novo. Sem grandes radicalismos, mas com vontade de experimentar e de usar novos recursos, veio ao mundo The Hissing of Summer Lawns.
Estávamos a meio da década de 70 e Joni Mitchell era cada vez mais um valor seguro no mundo da música folk, embora esse rótulo definidor fosse curto e impreciso para etiquetar o seu estilo muito próprio. Inquieta e sempre disposta a mostrar-se capaz de avançar de forma destemida pelos caminhos que escolhia pela sua própria cabeça, a artista canadiana ia acumulando álbuns de enorme valia. E assim, The Hissing of Summer Lawns surgiu em novembro de 1975, o seu sétimo trabalho de longa duração. Para alguns, o disco funcionava como um prolongamento lógico do anterior Court and Spark (1974), mas para outros algumas novidades dignas de menção faziam dele um objeto de uma certa rutura sonora e estética com o seu passado, nomeadamente o seu flirt com o sintetizador modular Moog e as suas experiências com a arte do sampling. Mesmo assim, e no entanto, o que importa no mundo dos cantautores, acima de qualquer outra coisa, são as canções, e The Hissing of Summer Lawns tem um bom punhado delas.
Sobre o seu novo trabalho, Joni Mitchell referiu o seguinte: “I got interested in moving away from the hit department, to the art department.” Não é, pois, de estranhar que alguns dos seus fãs tenham ficado algo perplexos com o caminho escolhido em The Hissing of Summer Lawns. O experimentalismo do álbum surpreendeu um pouco, mas alguma da tradição folk manteve-se. Vários dos seus amigos mais antigos acompanharam-na nessa nova aventura (Graham Nash, David Crosby e o menino bonito James Taylor, por exemplo), trazendo as suas vozes para a gravação do disco. No entanto, e aparte a novidade de um novo som, é importante perceber que as letras das dez canções constantes em The Hissing of Summer Lawns cortam radicalmente com a vertente confessional e pessoal do passado, centrando as atenções para o outro, para o próximo, para quem vive nos subúrbios do mundo, para as mulheres e para os seus modos de vida, para a análise social e filosófica da sociedade daquele tempo. A cronista Joni Mitchell deixava o seu eu de parte, à margem da força e da importância do que a rodeava.
The Hissing of Summer Lawns tem canções soberbas, mesmo que, eventualmente, não as entendamos dessa forma numa primeira e mais distraída audição. Elas exigem de nós uma grande dose de atenção para que não corram o risco de permanecerem indiferentes aos nossos ouvidos. Só depois se vão erguendo, aos poucos, tornando-se grandes e marcantes. “In France They Kiss on Main Street” é, talvez, a mais orelhuda de todas, a mais desinibida do lote. Entre essa primeira faixa e a última, a poderosa e quase religiosa “Shadows and Light”, The Hissing of Summer Lawns espraia-se por sons e ideias musicais diversas, se bem que moduladas de maneira a combinarem perfeitamente, nas suas diferenças e semelhanças. O trabalho dos percussionistas africanos convidados é notável em “The Jungle Line”. A delicadeza de “Edith and the Kingpin” tornou-se uma canção histórica. “Shades of Scarlett Conquering” também. Outro belíssimo momento é “Harry’s House / Centerpiece”, uma das nossas preferidas. Mas, a bem da verdade, importa mesmo ouvir o álbum por inteiro, repetidamente, para que se entranhem todas as suas deliciosas particularidades. Vale mesmo muito a pena, uma vez que este álbum é dos seus melhores, na nossa opinião.
O disco foi granjeando estatuto, chegando a ser considerado o parceiro ideal de Blood on the Tracks, o trabalho de Bob Dylan lançado no primeiro mês do mesmo ano de 75. Ao longo das décadas seguintes, The Hissing of Summer Lawns tornou-se um respeitável clássico e assim se mantém até hoje. Por tudo, até pela capa pintada pela própria Joni Mitchell, que se tornou icónica: um conjunto de seis indivíduos transportam uma extensa cobra píton. Ao fundo, Beverly Hills, à direita, a casa da própria artista, num tom azul claro que se destaca, quase celeste. Ouvindo-se The Hissing of Summer Lawns, ganha-se o céu.