Há uma secção da Internet dedicada a um lick de guitarra improvisado por John Frusciante durante uma entrevista com um canal de televisão dos Países Baixos em 1990. Esse vídeo de 30 segundos gerou centenas de outros vídeo, a maioria dos quais intitulados “Bedroom Lick”, em que guitarristas amadores interpretam aquela acumulação de acordes e curtos solos tocados pelo jovem guitarrista dos Red Hot Chili Peppers.
Nessa mesma entrevista, Frusciante explicava que o seu guitarrista favorito era Jimi Hendrix. “O seu estilo de vida e as mulheres da sua vida influenciaram mais a sua vida do que no caso de outros músicos. Ao ouvires o Jimi Hendrix a tocar, estás a ouvir uma expressão pura de quem ele é enquanto pessoa. Não há separação entre ele e a guitarra dele. São um só. Ele põe tudo o que ele é na guitarra.” E é na forma como Frusciante toca a guitarra que nós o conhecemos.
A história de John Anthony Frusciante já foi contada centenas de vezes: era um miúdo que sabia tocar todas as canções gravadas por Jimi Hendrix. Aos 16 anos deixou a escola (com a benção dos pais) e foi morar sozinho para Los Angeles para se tornar um músico melhor. Aos 15 anos descobriu os Red Hot Chili Peppers e tornou-se devoto da banda. Idolatrava o guitarrista Hillel Slovak e aprendeu a tocar todas as suas partes dos três primeiros discos da banda. Aos 18 anos, depois de já ter tocado com Flea num projecto paralelo e depois de uma excelente audição, tornou-se o membro mais recente da sua banda favorita.
O que pode ser menos sabido é que Frusciante tinha também ponderado fazer uma audição para a banda de Frank Zappa, um dos seus guitarristas favoritos. Mas o músico teve sempre uma política anti-droga na sua banda e Frusciante sonhava com o estilo de vida louco do rock and roll: drogas, álcool e miúdas giras! Então a possibilidade de se juntar a uma banda composta por jovens punks tornou-se mais apelativa.
Com a chegada de John Frusciante notou-se uma mudança imediata no som dos Red Hot. O jovem trouxe uma abordagem mais próxima do rock do que do funk, inspirada pelos guitarristas clássicos: Hendrix, Page, Gilmour ou Zappa. Isso deu aos Red Hot um som muito mais concentrado e melódico do que anteriormente. Ao contrário do estilo mais vistoso de Slovak, Frusciante punha-se mais ao serviço do que o resto da banda fazia. A única excepção será na canção “Pretty Little Ditty”, um instrumental que já mostrava um caminho diferente, menos explosivo.
Mas a grande revolução chega com o quinto disco do grupo: Blood Sugar Sex Magik. Frusciante solta-se e impõe algumas das suas ideias e influências, como o blues. A guitarra ganha mais espaço nas canções, com mais linhas melódicas em vez da constante explosão funk. “I Could Have Lied” e “Breaking the Girl” são talvez os exemplos perfeitos da dinâmica que Frusciante procurava na sua música: belas melodias com riffs incendiários. Em poucos segundos, o guitarrista passava do miúdo aplicado que estudava horas e horas teoria musical para um demónio que idolatrava Hendrix e queria ver o palco a pegar fogo. Ou seja, o parceiro ideal para Flea (que o compreende musicalmente como mais ninguém) e Anthony Kieds.
Mas rapidamente Frusciante começou a sentir que não pertencia a um mega-grupo de rock e que os Red Hot não deviam continuar a ser a sua casa. Durante a digressão anunciou que ia deixar a banda e dedicou-se ao seu novo hobby: injectar caldos de heroína na veia. Durante os próximos quatro anos, Frusciante dedicou-se a uma dieta composta por heroína, erva, tabaco, álcool e música. Gravou um disco de música experimental chamado Niandra LaDes and Usually Just a T-Shirt que saiu em 1994 e gravou umas demos. O trabalho de guitarra não é central e o álbum e traça paralelos com Madcap Laughs de Syd Barrett. Depois deste disco, Frusciante entrou naquilo que ficou conhecido como radio silence.
Em 1996, foi entrevistado para o Phoenix New Times. No texto, Robert Wilonsky escreve um parágrafo que mostra a miséria em que vivia o guitarrista que foi um dia a esperança dos guitar-geeks: “Os seus dentes de cima desapareceram e foram substituídos por uma linha de pontos brancos que espreitam das gengivas apodrecidas. Os dentes de baixo são finos e castanhos e parece que estão prestes a cair no caso dele tossir. Os seus lábios são pálidos e secos e cobertos de cuspo, como se tivesse pasta de dentes. O seu cabelo é ralo e onde deviam estar unhas está pele escurecida com sangue pisado. Os pés, tornozelos e pernas estão queimados com cinzas de cigarros Camel e a pele apresenta nódoas negras e cicatrizes. Nas calças tem manchas de sangue”. Durante a entrevista, Frusciante afirmou: “Eu não quero saber se morro ou vivo”.
Apesar deste quadro de miséria, Frusciante recuperou. Deu um pontapé nas drogas, voltou aos Red Hot e gravou dois discos onde colocou algum do seu trabalho mais inspirado. Californication e By the Way são dois discos muito mais pop e onde a guitarra ganha um lugar de relevo. Frusciante surge mais melódico e afinado e redescobriu o prazer de solar (apesar de o fazer sempre de forma limitada).
Nos concertos ao vivo a sua energia com Flea é contagiante e o próprio assume um papel central na banda, sendo responsável por algumas covers de canções icónicas como “I Feel Love”, “Tiny Dancer” ou “How Deep is Your Love”. A sua voz doce e melódica contrapõe com a energia pura de Kiedis e dá uma profundidade harmónica ao som dos Red Hot Chili Peppers (o disco By The Way é o melhor exemplo dessa influência).
Mas tudo o que é bom tem um fim e depois de Stadium Arcadium, Frusciante decidiu que estava na altura de mudar de novo e se dedicar totalmente à sua música (pelos pingos da chuva tinha mandado cinco discos a solo além de colaborações noutras bandas como os Mars Volta e os Ataxia). Lança aquele que será dos seus melhores discos a solo The Empyrean em 2009 onde faz uma sentida homenagem a um dos seus ídolos, Eddie Hazel dos Funkadelic. Neste LP Frusciante grava um solo de guitarra de nove minutos intitulado “Before the Beginning”, onde invoca “Maggot Brain”. É o renascimento do génio da guitarra. Os anos seguintes são marcados por discos de pouco rasgo e um regresso aos Red Hot.
”A certo ponto, o Hendrix deixou de tocar guitarra e começou a passar o dia a sonhar acordado, porque dizia que os sons que tinha na cabeça não podiam ser produzidos numa guitarra, por isso ficava a pensar neles o dia inteiro. É isso que eu quero fazer”, disse Frusciante em 1990. Até lá, vai continuar a gravar música e nós a ouvir.