James Blake ainda não completou 30 primaveras mas é dono, já, de uma estética musical muito própria. The Colour in Anything, o seu novo álbum, não é o momento maior da sua discografia mas abre portas (janelas, vá…) e mundo para o futuro – e não deixa de ter uma mão cheia de canções magníficas.
“Radio Silence”, a primeira faixa, arranca com a voz de Blake acompanhada ao piano. A canção desenvolve e ganha corpo, mas na base está sempre a voz, sobreposta e entrelaçada em várias camadas. No final, a canção número 17 (!) do disco – “Meet You in the Maze” – é quase só voz, camadas de voz, embora num registo menos linear, misturando capella com autotune. Blake mudou e o terceiro álbum de originais foca-se na sua voz, abrandando as epifanias para melómanos das eletrónicas. Isso é mau? Por si só obviamente que não – a voz do músico e compositor é bonita e transporta o ouvinte para mundos diversos. Falta talvez algum expansionismo tecnológico, não há particular conquista de novos mundos e público. Falta o efeito surpresa, certamente.
Será só isso? E que voz é esta em 2016, o que nos conta e canta Blake agora que já o tomamos como um dos nossos, um dos infalíveis, uma das referências? The Colour in Anything é absorvente e exigente. É disco aberto ao exterior – há colaborações, por exemplo, de Frank Ocean e de Justin Vernon, o senhor Bon Iver – mas, simultaneamente, pedaço absolutamente autoral, frágil, doce, pouco intempestivo mas perturbadoramente melancólico.
O anterior Overgrown, de 2013, ganhou pontos por juntar às sonoridades eletrónicas da estreia homónima, de 2011, um cuidado na procura da canção e um bom gosto desarmante na estética que acompanhou tal trajeto. Junta o melhor pedaço de canções do britânico e The Colour in Anything não atinge o seu brilhantismo – seria suposto fazê-lo? Provavelmente não, e o primeiro a tomar consciência disso mesmo terá sido o próprio James Blake. Não por acaso, o novo disco surgiu sem estágio, de surpresa: primeiro na internet, depois nas (ainda existentes) lojas de música. Este é um trabalho denso e negro de reação a um mundo que o músico entretanto descobriu – Blake tem andado em digressões quase ininterruptas desde 2011, criou uma editora (1-800 Dinosaur), colaborou com muita e boa gente (olá, Beyoncé) – Blake é um extraterrestre que apresenta música que pede para ser respirada num mundo melómano que vive hoje na sofreguidão do flirt permanente com a próxima grande descoberta.
Daqui a longos anos, e após mais alguns ótimos discos, James Blake irá lançar um álbum de grandes sucessos ou de melhores cantigas. A The Colour in Anything é capaz de ir buscar “Radio Silence”, “I Need a Forest Fire” e, fundamentalmente, “Modern Soul”, o melhor e mais emocionante tema deste novo disco. Contudo, e porque um álbum vive da viagem que nos dá e não dos caminhos que todo o mapa oferece, The Colour in Anything é essencial para perceber quem é James Blake em 2016: um ser de outro planeta, um jovem melancólico de voz quente e soturna, um ótimo escritor de canções, um apaixonado por música eletrónica, um músico de exceção que faz música de vanguarda. Um ponta de lança do bom gosto – não é para todos, e não são poucos os que partilham tanto entusiasmo com Blake e a sua música como partilham por cerimónias fúnebres, mas quem neste mundo entra e quem aqui respira, sente que toca um bocado o céu. E isso é muito bom.