Disraeli Gears, segundo e melhor disco dos Cream, continua a contar com o blues como principal força motriz mas tem agora uma importante novidade: o flirt com o psicadelismo, com todo o enriquecimento criativo que daí decorre. O disco foi assim irrepetível: o álbum a seguir, Wheels of Fire, seguiu as mesmas pisadas, mas a qualidade do LSD já não era tão boa; o álbum anterior, Fresh Cream, pode ter tido singles encantadores (“I Feel Free” e “Spoonful”) mas a produção era muito descuidada e o reportório demasiado preso aos blues tradicionais.
Talvez tudo tenha mudado quando os três magníficos (Jack Bruce no baixo e voz; Eric Clapton na guitarra e voz; Ginger Baker na bateria) ouviram Jimi Hendrix tocar em Londres: a explosão sonora que rebentava do amplificador de Jimi era uma poderosa fonte de inspiração. Tratava-se também dos ares do tempo: em 1967, ano em que foi gravado Disraeli Gears, floresciam por todo o lado, como cogumelos mágicos, todas as grandes obras-primas do psicadelismo: Sgt. Pepper’s dos Beatles, Forever Changes dos Love, The Piper at the Gates of Dawn dos Pink Floyd e, é claro, os dois primeiros álbuns de Hendrix – uma concorrência de peso que não consegue ofuscar a luminosidade do disco.
Esta abertura a algum experimentalismo foi uma novidade para Clapton. O seu currículo como um dos mais competentes guitarristas ingleses de blues era irrepreensível (fez parte dos Yardbirds e tocou com o John Mayall) mas nunca antes se atrevera a explorar os novos e estranhos trilhos sonoros abertos pelo “summer of love”. Neste processo, o apoio dos seus colegas Jack Bruce e Ginger Baker foi fundamental: ambos oriundos do jazz, música muito desarranjada por natureza, ajudaram Clapton a despentear a sua forma de tocar. As novidades foram então muitas: a sujidade e distorção da guitarra; o uso e abuso do pedal wah-wah no “World of Pain” e ” Tales of Brave Ulysses”; o imitar de uma cítara no “Dance the Night Away”; o riff áspero e funky de “Strange Brew”; citações (à bebop) de standards no meio das canções (como sucede com “Blue Moon” citado no início do solo de “Sunshine of Your Love”); a guitarra a chorar – num dos momentos mais comoventes do disco – em “We’re Going Wrong”, naquele tom feminino que só a sua Gibson de 1964 conseguia fazer; tudo heresias impensáveis num disco clássico de blues.
A mais-valia de Clapton no disco não se esgotou, contudo, na guitarra: ao contrário do que sucedeu no primeiro álbum, esteve agora envolvido na escrita das três canções mais emblemáticas do álbum: “Strange Brew” (cantada pelo próprio Clapton, naquele delicioso falsete tão característico dos Cream), “Tales of Brave Ulysses” (uma espécie de resumo Europa-América da “Odisseia”, mas com um Homero profundamente pedrado) e “Sunshine of Your Love”, a canção mais conhecida do trio, com aquele riff icónico que nos relembra a que paragens os White Stripes foram buscar o seu revivalismo.
Por sua vez, Ginger Baker pode ter só escrito (e cantado) uma canção do álbum (“Blue Condition”) mas nem por isso assume menor importância. De maneira nenhuma a bateria de Baker aceita cingir-se à condição low profile de mero marcador do ritmo: pelo contrário, é uma fonte permanente de espontaneidade criativa, ofuscando, por vezes, a própria guitarra. É o que acontece, por exemplo, no início do “We’re Going Wrong”, na qual Clapton recua para uma guitarra-ritmo muito discreta, enquanto Baker divaga com um rico floreado de bateria.
Mas talvez Jack Bruce seja, de facto, o principal motor criativo do trio: canta na maior parte das canções, naquela voz pejada de soul, o branco mais preto do Reino Unido; toca baixo como ninguém antes tocara na pop, saltando sempre, irrequieto, de nota em nota; como multi-instrumentista que era, dá também uma perninha, quando é preciso, na harmónica e no piano; e assina cinco canções do álbum, inclusive o psicadélico “SWLABR” (acrónimo de “she walks like a bearded rainbow”!) e “Dance the Night Away”, muito influente no prog pela sua estrutura sofisticada cheia de variações melódicas.
Um disco imprescindível. Quanto mais não seja por causa da capa…
Tenho este Lp em casa, e tambem em formato (CDDA). Indicadíssimo pra quem curte Heavy Metal. Se não fosse por eles, grupos como Venom/Judas Priest/Black Sabbath/Deep Purple/Led Zeppelin jamais teriam apostado suas fichas na “Heavy Music”!!