Os IE fizeram um dos álbuns mais estimulantes do ano, até ao momento. É tão bonito este Reverse Earth, que o seu título parece mesmo simbolizar o avesso do que se passa no mundo.
São cinco faixas apenas, embora todas com extensão suficiente para não nos deixarem com água na boca. Sabem a festa moderada e sóbria, a banda sonora de fim de tarde, quando pelo chão da sala já só sobram serpentinas e confettis (por vezes, é bom aportuguesar plurais), alguns copos dispersos quase sem gelo, cigarros que o tempo findou e alguma corrente de ar, preciosa para apaziguar cheiros e aromas que por ali foram ganhando corpo. E se, perante um cenário destes, alguém colocasse a tocar um disco, bem poderia ser este que aqui vos trazemos, para voltar a colocar a sala (o corredor, os quartos, a casa) em condições mais satisfatórias. Reverse Earth é um álbum para se ir ouvindo, do princípio ao fim, e será um erro interrompê-lo, sem que chegue ao seu termo. Sigam este conselho. Não se esqueçam.
Os IE, nome que tanto quanto julgamos saber deve pronunciar-se “eeeeee”, são uma banda de Minneapolis e não apareceram agora, uma vez que já gravam há cerca de dez anos, mais coisa, menos coisa. São Michael Galope (teclas), Meredith Gill (bateria), Sam Molstad (guitarra e bongos), Travis Workman (guitarra e teclas) e, finalmente, Mariel Oliveira (baixo, flauta e voz). Apresentações quase concluídas, resta terminar dizendo que já são em número de cinco, os trabalhos de longa duração, sendo que, feitas as devidas comparações, este Reverse Earth resolveu ser mais amigo dos ouvintes, porque menos experimental, embora mantendo alguma tendência para abstrações, no entanto devidamente protegidas por melodias empáticas que não permitem que possam perder-se espessura e sentido composicional. A tal corrente de ar mencionada há pouco, ao contrário do que seria suposto, é um movimento que une, ao invés de dispersar.
A voz de Mariel Oliveira é perfeita para nos contar histórias, lembrando e ecoando outras vozes, imaginários de outros discos, todos eles cósmicos, do tempo do saudoso kraut dos anos setenta. Um ou dois, apenas como exemplo, serão Lord Krishna Von Goloka (1973), de Sergius Golowin e Sci Fi Party (Unser Flug Durch Die Kosmische Musik), essa extraordinária compilação de temas dos Cosmic Jokers, lançada em 1974. Ou ainda, e assim já serão três (ou mais) os exemplos, um qualquer disco dos Kosmischer Läufer, todos eles superlativos em beleza, frescura e ritmo.
Reverse Earth revela-se hipnótico do princípio ao fim. A sua mão cheia de composições traduz algo de etéreo, de misterioso, repleto de pequenas luzes que nos guiam e nos surpreendem. As quatro primeiras (“Reverse Earth”, “Divination Bag”, “Simplify” e “Babel”) são bastante coesas, talvez desenhadas como continuação umas das outras, mostrando algumas oscilações, ligeiras derivas, mas com uma espécie de sentido de pertença e de união fáceis de entender. Já a derradeira “Dark Rome” aponta noutro sentido. É mais pesada, tem outra espessura, maior profundidade. No seu conjunto, e em todas as composições, há uma elegância palpável, a par de um encantamento que não só nos deslumbra, como nos acolhe de braços abertos. E nisso, nesse tão particular feitiço, Reverse Earth ganha um sentido metafórico desconcertante. Tudo é belo e sumptuoso, o que contrasta totalmente com a terra em que habitamos. O mundo de hoje em dia é o oposto da leveza e beleza deste álbum. Ou, se quisermos daqui inferir algum tipo de ensinamento, seria bom que a música unisse e fizesse sonhar quem parece estar cada vez mais desunido e isento de sonho. Se a música fosse sempre assim, talvez acordássemos com outra e mais contagiosa disposição.