Quase a fazer cinquenta anos de vida, o álbum The Cosmic Jokers permanece tão bom na sua especificidade cósmica que merece ser trazido de novo à vida, uma vez que foi ficando um pouco esquecido com o passar do tempo. Assim como a sua inenarrável história, aliás.
A chamada kosmische musik continua a fazer parte do imaginário de muitos ouvintes, sobretudo daqueles que encontram nela um formato algo perdido nos tempos apressados em que vivemos: faixas de média ou de longa duração. Nas décadas em que os discos eram apenas produzidos em rodelas de vinil ou em fitas de cassetes, as gravações tinham de obedecer a critérios mais restritos de espaço. Os lados A e B não eram elásticos, por isso havia que fazer render essa especificidade da melhor maneira possível. Foi o que fizeram muitos dos prog rockers e dos krautrockers, por exemplo, lançando a moda das faixas únicas em cada uma das faces da bolacha negra de vinil, faixas essas que duravam o tempo que podiam durar. Mas mais estranho ainda é sabermos que o álbum The Cosmic Jokers tenha vindo à luz do dia sem que os músicos intervenientes imaginassem que tal coisa viria sequer a ser possível. Mas assim foi, e ainda bem. Não apenas esse disco inaugural de um grupo que nunca existiu verdadeiramente, mas também de todos os que dele conhecemos. Os astros alinharam-se de forma batoteira, mas a história da música lucrou bastante com esse facto. O melhor é explicarmos o que aconteceu, antes de qualquer outra coisa. Vamos a isso.
No início dos anos setenta, a Alemanha dava ao mundo um novo conceito musical. Fartos do que vinha dos músicos anglo-saxónicos, os alemães aspiravam a outra coisa, e muitos reuniam-se em infindáveis jam sessions regadas com muitas e boas drogas. Rolf-Ulrich Kaiser, homem de renome no jornalismo musical do seu país e também com veia de produtor, dava festas no seu próprio estúdio de gravação, convidando músicos de vanguarda que tocavam livremente, ingerindo tudo o que ilicitamente corria em abundância e que era oferta da casa. O que os músicos não sabiam é que Kaiser gravava esses momentos de kosmische musik para mais tarde os lançar no seu recente selo editorial, de nome Cosmic Couriers. Foi o que aconteceu a Klaus Schulze, Manuel Göttsching, Jürgen Dollase, Harald Grosskopf e Dieter Dierks.
Consta que, num belo dia, Göttsching ouviu, enquanto andava passeando por Berlim, uma interessante composição que estava a ser reproduzida no interior de uma loja de discos. Ao entrar, segundo reza a história, foi informado que se tratava de um novo disco dos The Cosmic Jokers, e percebeu, ao virar a capa, que ele era um dos músicos desse mesmo álbum, uma vez que a sua fotografia figurava em bom destaque, assim como as dos outros músicos atrás referidos neste texto. Diz-se ainda que, para cúmulo supremo do gozo de Kaiser e da sua mulher Gerlinde “Gille” Lettmann, o grupo que nunca existiu foi por ambos batizado com o nome que conhecemos, Cosmic Jokers, ou seja… Palhaços Cósmicos. É claro que tudo isto gerou confusão, mas Kaiser não se demoveu das suas intenções, fazendo sair ainda mais quatro álbuns de gravações não autorizadas. Há males que vêm por bem! Se o povo assim diz, então é porque há alguma verdade nisso.
Quanto à música, o mínimo que dela podemos dizer é que nos aproxima do céu, sem que percamos, por via dessa nunca desejada e derradeira viagem, um único pedaço de vida. Antes pelo contrário, enche-nos de um especial ânimo e de uma particular disposição para as coisas mais recônditas da alma. Um autêntico milagre sonoro que se infiltra pelos poros da mente e a torna tão leve quanto solta. Nunca o experimentalismo esteve tão próximo da ataraxia, do prazer e da harmonia sem tempo e sem lugar. A primeira faixa, ocupando todo a primeiro lado do disco e contando com pouco mais de vinte e dois minutos e meio de viagem cósmica, dá pelo nome de “Galactic Joke”, sendo que só ouvindo se consegue perceber a magia de tudo o que nela consta. O âmago, a essência de muito do que veio a ser designado Krautrock está exatamente aí espelhado, aí e em “Ultima Thule”, dos Tangerine Dream. Das melhores trips da história, sem dúvida! No lado seguinte do disco, uma outra única faixa com quase dezanove minutos e meio, intitulada “Cosmic Joy”. Bem diferente da primeira, mais intimista, mais sombria e densa, mas também capaz de fazer levitar qualquer pedra a meio do caminho, tal o seu poder encantatório. Parece um imenso eco que vem de nós e que por nós vai deambulando, erguendo-se em definitivo por entre trovões percussivos, até se resignar ao desaparecimento.
Edições recentes de todos os álbuns dos Cosmic Jokers contemplam vinil e cd. Também em vinil colorido, para que o objeto possa ter ainda mais um motivo de adoração. O formato maior, com as 180 gramas do costume, realça a belíssima capa, lembrando transversalmente uma imagem tirada dos livros da Marvel com aspirações à Pop Art, de Roy Lichtenstein. E tudo isto à espera de ser (de novo) ouvido há quase cinquenta anos. É obra!