Dois anos depois do magnífico Filipe Sambado e os Acompanhantes de Luxo, o compositor regressa com Revezo, uma incursão com um toque de “folk portuguesa”.
No ano passado a música portuguesa foi reinventada com sucesso, pelo menos duas vezes, com os discos de Stereossauro e de Zarco. Podemos começar a dizer que isto preconiza ou é mesmo o auge de uma espécie de “folk tuga”, agora que estamos a perder o medo de pegar na nossa própria tradição. O compositor diz-se inspirado por Rosalía e de assumir uma portugalidade neste seu trabalho como exercício de estilo.
Assumidamente mais pop, Sambado mostra-se confortável neste seu papel. “Tusa Mole” é a faixa que abre Revezo e marca o tom que vamos ouvir nos próximos 36 minutos. É um disco curto e conciso, com altos e baixos. A primeira canção dá uns toques a Zeca Afonso e deixa a voz de Filipe Sambado soar a capella com eco, quase um Cante alentejano mas em bom.
“Jóia da Rotina” é um bom hino pop com palmas e flauta, orelhudo e muito bem escolhido como single. À primeira audição não fiquei impressionado mas dou por mim na última semana a cantar baixinho “A Jóia da Rotina é voltar cedo para casa, deixar o ouro na mina”. Isso quer dizer qualquer coisa sobre a sua eficácia. É seguida de “Tão Bom”, onde se percebe que Sambado está feliz.
Nesta altura em que refiro a suposta felicidade de Sambado parece também o momento perfeito para salientar que este músico, que fez um trabalho onde assume um som tradicional e nacional, demarcou-se publicamente de nacionalismos bacocos e tomou posição de vanguarda pública, que na musical sempre esteve. Só por isso devia levar mais um ponto ou meio na nota final. E leva.
“Gerbera Amarela do Sul”, que já foi descrito neste site como “ tradição e evolução numa só, marinheiros de cabelos descolorados, padeiros hipsters e a Torre de Belém versão airbnb”, é uma mistura lisboeta moderna, onde o azulejo serve de pano de fundo ao tuk-tuk. De facto é uma imagem perfeita para este som entre o actual e tradicional e é a proposta do músico para participar no Festival da Canção. Uma música que faz lembrar bastante compositores como Fausto Bordalo Dias.
“Paçoquinha pra Novela” afasta-se um pouco do toque tradicional, embora mantendo a flauta num outro registo. É uma mudança de tom muito bem vinda, seguida de “No Leito”, outra canção feliz (“a cabeça no peito, deixa-me sempre cheio, tantos mimos que eu tenho”) e dos pontos mais altos de “Revezo” em conjunto com “Este Fardo”.
Regressamos ao tom original em “Mais Uma” e dá para perceber que Por Este Rio Acima e a discografia de José Mário Branco andavam em alta rotação na casa de Filipe Sambado. Entendo perfeitamente a ideia de pontuar um disco no espaço geográfico mas ainda assim tem de haver tolerância para ouvir canções com flauta e bombo. A minha chegou na oitava música, “Bitola”. A letra é engraçada e tudo – quantas vezes se terá cantado “ó puto bandalho”? – mas o tipo de música torna-se cansativo. Salva-se o facto que “Este Fardo” é uma mudança de direcção, com maior presença de sintetizadores. Dei por mim a ouvi-la repetidas vezes, embalado pela inversão para as notas menores.
Com isso quero acreditar que Sambado também quis e soube balancear o toque mais tradicional com o moderno na organização do disco, terminando com “Imagina”, outra excelente canção.
No geral com um andamento muito menos acelerado do que em Filipe Sambado e os Acompanhantes de Luxo, regressa mais perto do primeiro trabalho, “Vida Salgada”. Talvez porque fiquei surpreendido e escolhi o álbum anterior para disco do ano em 2017, este Revezo custou mais a entrar no ouvido. Ainda assim é um sólido terceiro disco de um dos melhores músicos no panorama nacional que canta em “Imagina”, “vou continuar a crescer”. Estaremos cá para ouvir.