O ímpeto rockeiro da adolescência já passou. Os Tame Impala estão a cada disco mais maduros e moderados.
O tempo. A derradeira barreira existencial. Depois de um hiato de cinco anos (na indústria musical isso é bastante tempo), Kevin Parker, melhor conhecido como Tame Impala, assume, finalmente, o inevitável sucesso. The Slow Rush, desenhado para perdurar, é um trabalho minucioso e de grande perseverança. Aliás, esta pausa é disso sintomática. Para construir um álbum desta envergadura, Parker teve de arrumar muita coisa. Arrumar para depois expor sem pruridos, os seus mais íntimos pensamentos e sentimentos. Arrisco-me mesmo a dizer que este quarto trabalho do australiano é sobretudo sentimental. E quando se trata de sentimentos, nada melhor que a profundidade das teclas. A aspereza irreverente das guitarras adolescentes ficou em Innerspeaker. Desde então as músicas de Tame Impala têm vindo a pontuar nos teclados. Um percurso que não foge de muitos outros exemplos de maturidade – os Yeah yeah Yeahs são apenas um deles. Primeiro, a força indomável da juventude imortal. Com o passar do tempo, esse sábio conselheiro, a moderação. Se Currents foi um álbum maioritariamente synth, agora foi vez de casá-lo com Lonerism. Uma retrospectiva cimentada no que ainda falta fazer para chegar à plenitude.
Produzido entre L.A e Perth, entre o futuro e o passado, entre o estrelato e a família, The Slow Rush é um disco dividido entre o querer e o ser. E é nessa amplitude que cabem estilos tão diversos como a pop, o psicadelismo, o prog-rock, o R&B, o funk ou mesmo a house music. Tudo isto sem nunca perder a identidade embrionária das primeiras aparições. Ora, para se chegar a esta desenvoltura não há milagres. Há muito trabalho por trás desta leviandade. Horas infinitas de pequenos arranjos e pós-produção exaustiva.
Entremos então no conteúdo: “One more year”. Bum! Damos logo de caras com o que aí vem. synth-psych resgatado dos tempos gloriosos do Italo disco em aproximação à pista de dança. Delays, vocoder a fazer de instrumento, camadas por cima de camadas e vontade de dançar devagar com os olhos quase a chorar. Mais um passo em direcção à consciência. Segue-se “Instant Destiny”. Neste tema, Kevin Parker faz questão de nos relembrar que por muitas teclas q ueencham o seu destino, os Tame Impala nunca deixarão de acarinhar e agraciar os seus primeiros fãs. Trata-se de assegurar que uma relação de amor evolui, metamorfoseia-se, mas nunca abandona o sedimento que a tornou insubstituível – a paixão.
Pelo meio temos os irrepreensíveis singles lançados anteriormente e um punhado de temas mais tépidos, a trazerem-nos à memória o influente legado dos irmãos Gibb. Mais para o fim, antes do grand finale, um rotundo elogio aos graves. O holy bass, o grande responsável pelas ressonâncias eróticas da música de dança.
Não duvidem nem por um segundo. Fazer música é difícil. E mais difícil ainda é fugir das referências. A história tem-nos provado que raros são os fenómenos que alavancam categorias inusitadas. “One More Hour”. Fim em loop. Regresso ao passado. Fiquemos, então, uma hora mais em prolongada contemplação de The Slow Rush, obra incrivelmente pura e sincera.
Se para criar o artista afirma ter de se sentir “inútil”, então que assim seja. Acompanhemo-lo de espirito aberto e mãos desocupadas de horas para cumprir.