De guitarra na mão, entoando as letras bonitas a que nos habituou, sem nunca descartar a inovação e a exploração das possibilidades da arte, Filipe Sambado cantou em homenagem a si própria e ao que tem trazido ao mundo.
Perante um silêncio expectante da sua entrada, Filipe Sambado subiu ao palco do B.leza, no passado dia 2, para o seu primeiro concerto em nome próprio no espaço. Com Chinaskee à bateria e a bandeira trans na alça da guitarra, Sambado entrou sem hesitações e abriu com “Vida Salgada”, do seu primeiro álbum, homónimo, de 2016. Os elementos que nos são familiares, como o golfinho luminoso na prancha de bodyboard sempre encostada ao teclado, ou seu cabelo coloridamente adornado que dança ao som da música, não deixaram de marcar presença em mais um concerto onde o amor da plateia é palpável.
Correu a sua discografia quase toda, intercalando o disco de 2020, Revezo, com o de 2018, Filipe Sambado & Os Acompanhantes de Luxo, sem deixar esquecido o EP de 2014, Ups… Fiz Isto Outra Vez. Como se esta viagem não fosse já suficiente para que o público saísse dali feliz, foi-lhe permitido ainda viajar ao futuro e ouvir algumas das quinze músicas que comporão o álbum Três Anos de Escorpião em Touro, cujo lançamento está para breve.
“No Leito” contrastou com a festa de “Só Beijinhos” e “Gosto Tanto de Te Ver” precedeu “Choro da Rouca”, uma das novidades do álbum que não tarda a chegar e que revela um registo diferente, que Sambado tem vindo a maturar ao longo dos tempos, a par da exploração das sonoridades tradicionais portuguesas. Numa onda trad-hyperpop, onde assume em pleno a electrónica como caminho a seguir (por onde já se havia aventurado no último disco) e em que traz o computador para palco, joga com auto-tune, distorções e os midis em todas as suas potencialidades.
A timidez com que diz “Olá” em nada se compara à energia que entrega ao palco. Pousa a guitarra e segue para o teclado, onde canta alegremente “Jóia da Rotina”, música cujos coros cabe à plateia preencher. Um adufe acompanha “Dono da Bola” e, de volta às cordas, e depois de “Bitola”, um dueto instrumental com Chinaskee toma toda a atenção do público e desagua em “Alargar o Passo”. Uma corda partida na guitarra abre espaço à conversa e, por não ter medo da informalidade (e tampouco da frontalidade, chegando a pausar o discurso para declarar que “transfake é merda”), Sambado, bem-disposta, responde ao público e corrige uma letra que este canta erradamente.
Tudo indicava que o concerto se aproximava do fim quando, atrás do teclado, Sambado começou a cantar os primeiros versos de “É Tão Bom”, depois de ter tocado outra música desconhecida do público, sempre atento às novidades. Muito mais descontraída e visivelmente feliz com a receção que o cheirinho do novo álbum provava, Sambado fechou o concerto com mais um sneak peek. Era gratidão que se sentia, dos dois lados do palco.
Depois das palmas efusivas e dos “És linda!” que se foram repetindo ao longo da noite, Sambado subiu só, para encore, acompanhada da sua guitarra, para cantar “Nó do Peito”, num dos que viriam a ser os mais bonitos momentos do serão.
Eventualmente, também Chinaskee se juntaria àquela comunhão, acabando por trocar de lugar com Sambado, que se sentou prontamente à bateria, dando o palco ao companheiro, que nos tocou “Gaja”, do seu mais recente álbum, Bochechas. Animada, a plateia já estava boquiaberta com o espectáculo completo que acabava de ter o prazer de presenciar – mas o êxtase deu-se, finalmente, com a aparição de Conan Osíris, que cantou os últimos versos da última música da noite.
Não sei se alguém estava mentalmente preparado para a celebração da música de Filipe Sambado e a festa de liberdade de espírito em que este concerto acabou por se tornar, mas com certeza ninguém saiu do B.leza desapontado, ou à espera de mais. Sambado dançou e sorriu e o público apenas seguiu. De onde veio e para onde vai serviu de mote à setlist que abraçava os mais antigos e fiéis fãs, mas que igualmente bem recebia os que iam à descoberta. Filipe Sambado deu-nos amor e mostrou-nos que sabe o que quer, mais livre do que nunca. Era preciso estar lá para ver.
Fotografias gentilmente cedidas por Ana Viotti.