Foi morna, a noite soul-funk de ontem. Maceo Parker, o cabeça de cartaz, veio acompanhado de grandes músicos, mas para nós não voou tão alto como gostaríamos.
Ao terceiro dia, a soul e o funk invadiram os espaços verdes dos Jardins do Marquês de Pombal. A diversidade do cartaz do EDP Cool Jazz deste ano, se olharmos para os concertos dos dias anteriores, é notória e não acontece por acaso. Já assim foi nas edições passadas, pelo que se percebe ser uma aposta na continuidade, digamos assim. Os nomes de ontem testemunhavam a força duradoura dos estilos em destaque, misturando gerações e nacionalidades. Uma voz recente do soul-funk português e um veterano norte americano com caminho feito há décadas, muitas vezes acompanhando outros grandes nomes da música desse mesmo género. Falamos de Da Chick e do saxofonista-cantor Maceo Parker. Apresentações feitas, e antes de avançarmos para o que realmente importa, uma nota para o showcase do dia. Também neste caso era o saxofone a sobressair. A tocá-lo, Jéssica Pina. Junto à zona onde se pode comer e beber (a hora do jantar a isso obriga) foi muito agradável ouvir o terceto liderado pela jovem saxofonista. Vários clássicos tocados, incluindo-se neles, um tema do norte americano que quase duas horas depois entraria em palco.
Antes disso, e à hora marcada, Da Chick teve o palco todo para si. O funk juvenil e atrevido, cheio de adrenalina da menina Teresa Sousa entrou a toda a força, como aliás sempre costuma acontecer nos seus concertos. Fazer a primeira parte de Maceo Parker deve trazer algum nervoso miudinho, sobretudo quando foi a própria que disse tratar-se de alguém que fez parte da sua formação. Compreende-se, mas não se notou qualquer tremideira. Da Chick assumiu o seu espetáculo, prometendo que as cadeiras da plateia à sua frente, cedo deixariam de ter préstimo ao longo da sua apresentação. E bem se esforçou a rapariga, sobretudo quando tocou “Do The Clap”, canção com eletricidade suficiente para que se concretizasse o que o tema pede. No entanto, apesar de alguns excessivos bordões utilizados (“do some noise”, “Da Chick is in da house”, “let’s party” ou “how are you feelin’?”) a verdade é que levou a água ao seu moinho, pondo quase toda a gente a dançar. “Eu também quero que o Maceo venha, mas para já vai ter de ouvir isto”, e lá continuou apresentando a banda e dando depois fim ao concerto com mais um tema cheio de soul. Foi assim o espetáculo da “mamma funk”, como os seus próprios músicos a apelidam.
A noite estava demasiadamente fresca para tão grande interregno entre concertos, pelo que se a cerveja se servisse morna, teria sido o ideal. Sempre ajudaria a suportar melhor a noite de verão que foi tudo menos quente. Até que, às 22:40, Maceo Parker foi anunciado e chamado ao palco. Curiosamente, a entrada dos músicos deu-se por chamada, digamos assim. Um a um, lá entraram todos, com especial aplauso “for the most sexiest saxophone player in the world, mister Maceo Parker!” Longo tema de entrada, com principal destaque para o baixista Rodney “Skeet” Curtis. Cada nota tocada parecia um tiro em tom certeiro. De seguida, Maceo Parker explicou a diferença entre jazz e aquilo que ele a sua banda tocam. Brincalhão com as palavras, lá foi mostrando que, no fundo, “it’s all about love”, e isso é o mais importante de tudo. Lembrou, depois de uma demorada conversa, que James Brown dizia sempre “make it funky, make it funky”, que é o que Maceo ainda hoje afirma fazer. E assim foi all night long.
No entanto, e para sermos absolutamente honestos com o que vimos, os primeiros quarenta minutos do concerto serviram mais para que se percebesse o virtuosismo de cada um dos músicos (havendo até um longo período em que apenas esteve em palco o guitarrista Bruno Speight) do que para a festa esperada. Entusiasmante, do ponto de vista técnico, sem dúvida, mas faltou sempre mais alguma chama, mais alguma magia, e por isso o voo swingante de Maceo Parker não se elevou tanto como seria de esperar. Nem mesmo depois da hora inicial. Talvez tenha sido a prova (mais uma) de que quando quem está em palco parece mais centrado nos seus superlativos dotes, nem sempre se consegue realizar um espetáculo que chegue ao público, mesmo lembrando e tocando temas de monstros como Marvin Gaye. No entanto, quando o saxofone se lhe cola à boca, é outro luxo, sem dúvida, mas aconteceu pouco.
Daí que tenhamos de dizer: mister Maceo Parker, o enorme respeito que temos pela sua história, esse não saiu beliscado, mas queríamos um concerto mais próximo de nós. Os pedestais são para deuses distantes e, no caso, estivemos a poucos metros de si. A versão de “Stand By Me” cantada por Darliene Parker, prima da vedeta americana, quase parecia ter sentido irónico. É bem verdade que houve interação connosco, mas terá falhado o repertório. Certamente que, metendo a rodar, nos próximos dias, os seus discos mais intensos, nos vai conseguir fazer sorrir de encantamento uma vez mais. Mas ontem, só conseguimos esboçar um contido esgar de felicidade.
Fotografias gentilmente cedidas pela organização