Modular Living tem 4 meses de existência e é o disco mais adulto de krautrock que ouvi durante todo o ano. Estes Eat Lights Become Lights surgiram em Londres, no ano de 2007, e até à data já mostraram bem as suas credenciais. Na génese da sua música detetam-se marcas do melhor Kraut, e por isso facilmente pensamos em Neu!, Harmonia, Cluster (da fase Zuckerzeit e Sowiesoso), La Dusseldorf, Faust, Kraftwerk e ainda CAN, para dar apenas alguns exemplos relevantes. São apenas quatro os membros da banda, mas tudo gira, sobretudo, à volta de Neil Rudd. Ele é o grande mentor, o grande cérebro. Falo-vos, como já suspeitaram, de música para a cabeça, música cerebral, ritmada, capaz de deixar qualquer ouvinte à beira da loucura, tal o hipnotismo em que entramos ao ouvirmos as suas composições. Mas também há um lado mais etéreo, mais espacial, psicadelicamente viajante, e nesses momentos é bem possível tirar bilhete até qualquer paragem interior ou exterior a nós próprios. Uma das coisas que mais aprecio no krautrock é a capacidade de elevação que tem. Explico melhor: este estilo de música transporta-nos para dimensões estratosféricas, ora quando o ritmo alucinante da sua motorika nos ataca e nos deixa em transe, ora quando a sua dimensão celestial nos projeta em longos e maravilhosos lençóis de sons multidimensionais. Em qualquer dos casos, perdemos o rumo, e quando a viagem termina é sempre bom aterrar…
Mas voltemos a Modular Living. Se é bem evidente a proximidade sonora, como disse nas primeiras linhas deste texto, com alguns dos históricos e grandes nomes do Kraut germânico do século passado, é também muito interessante perceber outras influências, como Spacemen 3 ou Spiritualized. A fusão de tudo isto, e de muitas outras coisas que no momento me escapam mas que hão de surgir nas muitas viagens auditivas que ainda vou fazer com este disco, resulta num dos mais brilhantes discos de 2013. Ao mesmo tempo enclausurado e aberto nas suas ondas krauterianas, Modular Living é um belíssimo ruído que se mantém por 9 faixas, e que dura precisamente uma hora. Nesse tempo, o tempo deixa de existir. Não há tempo e também não há noção de lugar, antes a perceção de uma dimensão metafísica, toda ela desobediente em relação aos conceitos do dia a dia de qualquer indivíduo. O que digo não é poético. É real. Ou, se quisermos, à maneira de Novalis, mais real porque poético. Na verdade, a realidade estende-se, aumenta, distorce-se, e somos levados nela como corpos sem sustentação gravitacional, vagando ao sabor dos sons, em cambalhotas e piruetas. É logo assim desde o fulgurante início do disco, com a faixa que lhe dá título. Acelera-se, acelera-se sempre e “Mod-Ulo-510”, bem como “13th Looking South…” deixam-nos satisfeitos e exaustos tal a pancada prazerosa a que fomos sujeitos nas três faixas que abrem o disco. A suavidade instala-se em “Rowley Way Overlook”, prolongando-se em “Los Feliz to Griffith”, e parece que chegámos a um lugar feliz, a um local onde a dormência nos atinge sem nos afligir. Essa sensação permanece em “Life in the Sprawl” (nunca um título de uma canção me pareceu tão bem atribuído como neste caso), mas vamos percebendo, à medida que o tema avança, que é tempo de fazer as malas de novo, que a viagem de regresso está por minutos. “Chiba Perfecture” e “Electromagnetika” voltam a colocar-nos em pleno voo, menos turbulento do que o inicial, com menor grau de ansiedade, mas impactante, mesmo assim. Passados esses minutos, chegamos a “Habitat ’69” com o coração nas mãos. Estamos vivos, e a noção de que sobrevivemos à travessia alucinatória a que nos sujeitámos, chega ao fim. A um fim a pedir retorno, no meu particular caso, e estou em crer que no vosso acontecerá o mesmo, se quiserem correr o risco de se atreverem a ouvir Modular Living, dos magníficos Eat Lights Become Lights. Have a nice trip!