Todas as bandas têm um disco mal-amado, uma peça maldita que destroçou corações de fãs e alegrou a alma a detractores. No caso dos Doors, a discussão nem se coloca. O título, para a maior falha na discografia, para o maior prego, é consensual: The Soft Parade, o filho bastardo de Morrison, Manzarek, Densmore e Krieger, o primeiro sinal da decadência de uma banda que em menos seis anos se apresentou, conquistou e despediu do Mundo, o quarto disco de originais.
A prodigiosa guitarra de Robby Krieger não falha em Soft Parade, está lá a deambular entre o rock e os blues, sempre com um balanço de jazz que se tornou imagem da marca da banda que, no limite, nos habituámos a ouvir apresentada como sendo “from Los Angeles, California”. O Fender Rhodes de Manzarek também não falha e mesmo Morrison está longe de ter a voz tão estragada como em L.A. Woman, o último dos discos em que participa. De certeza que Soft Parade é assim tão mau?
“Easy Rider” será a pior música dos Doors e está em Soft Parade – o festivo órgão soa forçado, a guitarra está demasiado discreta e no acompanhamento e o pretendido tom ligeiro não passa de foleiro. Dirão os mais críticos que “Tell all the People” não é muito melhor. Dirão os justos que ambas têm uma característica que o tempo tem tornado raro – são exemplarmente bem tocadas. Depois, há “Touch Me”, a música em que os californianos se perdem a brincar com uma orquestra de metais e cordas. E “Wild Child” e “Runnin Blues” que podiam ser pontos altos de qualquer banda que tentasse sobreviver entre o blues e o rock, mas que falham, sequer, a entrada no top 20 para as melhores dos Doors. Em The Soft Parade, o ponto alto está mesmo na música que dá nome ao disco. No álbum em que os Doors são acusados de terem escondido o som que os fez famosos, estão oito minutos do melhor que alguma vez compuseram. “Soft Parade” é um verdadeiro desfile do quase absurdo talento do quarteto mais famoso dos anos sessenta californianos. Tem a guitarra com cheiro a flamenco, tem o inconfundível órgão de Manzarek e uma misturada de registos só ao alcance das mais talentosas bandas. A letra? Com os Doors o assunto sempre foi poesia e se falhou em tudo o resto, na escrita Morrison morreu sem ter perdido o brilhantismo.
The Soft Parade é assim tão mau? Não. The Soft Parade é o disco que a maioria das bandas gostaria de ter tido o talento para gravar. A desinspirada guitarra de Krieger continua bem acima da média – da altura ou de hoje – e o Fender Rhodes de Manzarek continua a ser único na história do rock. É de evitar ouvir? Também não. Os Doors só têm seis discos e se os melhores são capazes de ombrear com os maiores monumentos do rock hippie o pior é capaz de fazer inveja à esmagadora maioria das bandas.