O MEO Kalorama acabou. Mais de 112 mil pessoas passaram pelo novo festival da
capital e o Altamont fez um rescaldo dos melhores (e piores) momentos. Do rei do mosh ao melhor pezinho de dança, passando pela revelação e desilusão, estes são os destaques escolhidos pela equipa Altamont
Terminou o MEO Kalorama. Feitas as contas, segundo números da organização, mais de 112 mil pessoas passaram pelo festival ao longo três dias – e já anunciaram nova edição para o ano, a 31 de agosto, 1 e 2 de setembro de 2023. Um número de estreia impressionante, que o catapulta para o top 3 dos festivais lisboetas: este ano, 210 mil pessoas marcaram presença nos três dias de NOS Alive, 287 mil pessoas nos quatro dias de Rock in Rio e 45 mil para o Super Bock Super Rock, num ano atípico marcado pela mudança de última hora de recinto, do Meco para o Altice Arena, após a proibição do Governo devido ao risco elevado de incêndio.
O cartaz chamou a atenção, os artistas apareceram e os melómanos arrastaram-se ao novo festival da capital. O Altamont viveu concertos marcantes, onde cantámos e dançámos – e até chorámos. Sim, estamos a falar de Nick Cave. Tudo acabou bem – mas não sem percalços. Em jeito de rescaldo, estes são os melhores momentos do festival.
Prémio Rei do Festival: Nick Cave and The Bad Seeds
Já o tínhamos visto este ano no NOS Primavera Sound Porto, mas nunca perdemos uma oportunidade para ver a missa pagã deste anjo negro. Tirando “Carnage” (que tocou no Primavera e não no Kalorama) e a majestosa “Weeping Song” (que tocou no Kalorama e não no Primavera), o alinhamento foi semelhante – mas a energia foi diferente. Talvez por ser o último concerto da digressão ou pelo ambiente arrepiante da enchente do palco principal, Nick Cave deu um dos melhores concertos de que há memória em Portugal, rivalizando com o mítico concerto de chuva abençoada do Primavera 2018.
A homilia foi a mesma: se no Primavera foi “um concerto de serenidade e de explosão, e por vezes só numa canção, como em “Red Right Hand”, no Kalorama foi o mesmo – mas com mais weeping e uma dedicatória arrepiante a Beatriz Lebre em “Into My Arms”. É, afinal, um concerto de rock guiado por paixões, não por virtudes – quem disse que o gospel não se pode usar como uma cruz invertida?

Prémio revelação: Alice Phoebe Lou
Calma, já a conhecíamos. Com vindas recentes ao Capitólio e Paredes de Coura, já sabíamos da alegria contagiante de Alice Phoebe Lou. Podia ser mais um concerto de indie folk – mas no Kalorama, o cenário não poderia ser melhor. O céu rosa do lusco-fusco, o palco Futura cheio e o concerto da cantautora sul-africana, ora a provocar no público empurrões gentis à mínima guitarrada rápida, ora a incentivar ao mel nas baladas, foi uma mixórdia perfeita para catapultar a qualidade do momento. “Portugal tem os melhores festivais! A vossa energia…”, confessava, classificando o festivaleiro português como “o melhor público”. É fácil quando nos apaixonamos – e nós, público, ficámos apaixonados.

Prémio desilusão: Conflito de som entre palcos
Foi o grande problema do festival. A organização do festival preparou um cartaz com poucas sobreposições – mas uma delas foi fatal no primeiro dia. Kraftwerk tocavam no palco Colina quando 2manydjs iam subir ao palco principal. Em comparação com o palco secundário do Rock In Rio, o a distância entre o palco MEO e Colina é bastante menor – e quem estava lá no primeiro dia, antevia que a energia dos 2manydjs pudesse tomar de assalto o concerto dos alemães. Os 2manydjs tiveram um set de dez minutos e pronto, acabou. Mas não foi a última vez que o som entre palcos se misturaria: também se sentiu em alguns concertos sobrepostos do palco Futura e o palco MEO. Não fomos os únicos a apontar essa falha: “Só tenho duas críticas a apontar: ao acesso a casas de banho, que estão completamente lotadas, e em relação ao palco Colina e palco principal a questão do som, que por vezes interfere num palco e no outro”, conta um festivaleiro ao Altamont. Verdade seja dita: a organização foi ouvindo as queixas dos festivaleiros e, por exemplo, aumentou a oferta em relação às casas de banho. A organização admite que “há coisas a melhorar”, dando como exemplo o pó que existe no recinto, devido à falta de relva. “Temos de recordar que estamos em seca extrema e não íamos desperdiçar água. Se o Parque da Bela Vista voltar a ser a nossa casa, vamos tentar tratar disso. E esperemos que chova no inverno” disse Criner, porta-voz do festival.

Prémio mosh: Arctic Monkeys
Foi puro rock ‘n roll. Os Arctic Monkeys percorreram alguns dos melhores momentos musicais dos seis discos até hoje lançados, sem vergonha do passado e com olhos postos no futuro, o intitulado The Car, a ser editado em outubro. Hit atrás de hit, como é praticamente todo o repertório dos macacos, foi um concerto de euforia – e euforia leva a saltos. E saltos leva a mosh: não foi a wall of death habitual de “When the Sun Goes Down” (lembram-se do que aconteceu no Coliseu em 2007?), mas sim “I Bet You Look Good on the Dancefloor“. Jesus Cristo, as cervejas que foram ao ar.

Prémio dançarino: Moderat (se for com a cabeça), Jessie Ware (se for com os pés)
Num dos concertos com mais energia do festival, a coreografia muito bem ensaiada que Jessie Ware e os seus quatro bailarinos puseram em prática foi irresistível e não se avistava um pé quieto num perímetro largo em redor do palco Colina. Quer fosse a copiar os passos que Jessie Ware e companhia executavam incansavelmente em palco, quer adotando uma abordagem mais próxima de dança interpretativa para sair à noite, acabámos todos o concerto com a sensação reconfortante de ter feito um ótimo workout.

Menções Honrosas? Chapéus há muitos: Róisín e Peaches
Os outfits multicolor da poderosa Róisín Murphy foram parte essencial da dinâmica de espectáculo. No caso da frontwoman dos Moloko, era um fedora andrógino de abas largas que lhe intensificavam o aspeto de gangster. Já Peaches, que deu um concerto-furacão no palco Colina, levou um chapéu-vagina na cabeça, a condizer com a eletrónica sexual e empoderada da canadiana Merrill Beth Nisker.

Apesar de ainda faltar o Lisb-on (e estar a decorrer o Avante), assim se acaba a temporada dos festivais de verão de grande dimensão em Lisboa. Há mais Kalorama para o ano – e a porta-voz do festival, Andreia Criner, já avisou que pode não acontecer no Parque da Bela Vista. Uma coisa é certa: cá estaremos para escrever.
Texto: Alexandre R. Malhado e Ana Lúcia Tiago
Fotos: Cecile Lopes Photography