Chamar-se Curtis e lançar um disco intitulado Soul Power é, no mínimo, arrojado. Um tipo aparecer assim de repente, rotular um disco desta forma, para mais, envergando um nome que logo à partida evoca Mayfield, podia ser arriscado. Podia soar a falso, oportunista. Mas não. Curtis Harding justifica os epítetos e este seu álbum de estreia é um grande disco.
Mas vamos por partes. Antes de chegar à ribalta, este rapaz de Atlanta, filho de uma cantora de gospel, já fazia música há algum tempo, mas principalmente para outros. Cantou rap, fez coros para Cee Lo Green, mas também lhe escreveu algumas canções. Com Cole Alexander, dos Black Lips, criou os Night Sun. Ao longo desses tempos foi recolhendo inspirações e aprendendo modos de fazer as coisas, que o trouxeram a Soul Power.
E este é um excelente disco de estreia, que junta uma série de elementos que fazem de Harding não tanto um artista promissor, mas antes uma certeza. Uma das principais virtudes é a forma como junta no mesmo prato soul e rock. A soul que bebeu da Motown, o rock de garagem e de surf dos anos 70. Mas ir buscar influências, só por si, não serve de nada e a música pode acabar por ser um pastiche, uma colagem desinteressante de acordes.
É aqui que entram outros factores que o distinguem. A voz! Não sendo um vozeirão como estamos habituados na soul mais clássica, Curtis Harding tem uma voz quente, intemporal, versátil, com um sotaque profundamente yankee. Depois, a alma. A tal, que dá nome ao estilo de música e ao disco de Harding. E essa soul não dá para quantificar, tocar… tão pouco, explicar. Só dá para sentir. Não raras vezes, sente-se é a ausência dela. Mas, nalguns abençoados casos, sente-se essa presença, sente-se que o artista que nos está a cantar ao ouvido está a botar toda a sua essência naquilo que está a fazer, e sente-se que essa essência está polida. Curtis Harding faz-nos sentir isso. É aqui que ele justifica o título do álbum, de facto, este Curtis também tem soul power! Sem querer encontrar semelhanças com os mestres doutros tempos, tomemos como referência alguns da sua geração e podemos encontrar Curtis Harding algures no meio de Gary Clark Jr. e Mayer Hawthorne, juntando o melhor de um e de outro – a veia rockeira de Gary Clark e o gingar de Mayer.
O disco, Soul Power, é um conjunto equilibrado de 12 canções, que passeiam por vários dos estilos já mencionados. «Castaway» é quase gospel, com solos de Hammond e de guitarra quase blues; «Keep on Shining» e «Heaven’s On The Other Side» – duas das mais luminosas do disco – tresandam a funk, com a secção de sopro a que temos direito; «Surf» é puro garage rock; «Drive My Car» é blues. Mas tudo é soul. As canções podem ir mais por aqui ou mais por ali, mas no final aplica-se a todas o mesmo verniz – soul power.
E se, antes de lançar o disco de estreia, ele já andava metido com artistas conceituados, depois de sair o disco viu a sua cotação aumentar. Por exemplo, já andou em digressão com Jack White, Lee Fields and The Expressions ou Black Lips. Não sou o único a ficar rendido ao novo Curtis que anda aí.
(Para comprovar ou refutar tais considerações, aconselha-se vivamente o concerto de Curtis Harding no Mexefest, no final de Novembro)