Como já antes havíamos aqui noticiado, estava para breve o lançamento do novo trabalho de Sr. Chinarro. A brevidade do tempo honrou o compromisso mais uma vez, e Perspectiva Caballera já por cá se encontra, pelo que neste artigo vou dar-vos nota das impressões que o disco me deixou. Não antes sem vos lembrar que sigo o músico espanhol desde há muito, e Antonio Luque (o nome que suporta todo o projeto) é, para mim, o expoente máximo da moderna música que se vai fazendo no país ao lado do nosso. Por essa razão, e sobretudo por uma questão de respeito para com a pessoa e pelo trabalho que tem vindo a realizar, entendam que o meu parecer pode ser (ou é mesmo, de facto) marcado por esse já longo historial de afinidade que tenho com a carreira de Sr. Chinarro. Gosto dele e da sua obra. Gosto mesmo muito. Gosto do que vem fazendo em termos musicais, gosto da sua escrita poética, e até entendo alguma cedência a um pop mais claro e transparente que se tem notado nele desde El Mundo Según. Com um ou outro disco menos conseguido desde então, a verdade é que Sr. Chinarro correu um certo risco com este novo passo dado na sua carreira: rompeu com a editora Mushroom Pillow que lançou alguns dos seus trabalhos anteriores (como já antes havia saído da Acuarela Discos, onde iniciou o seu percurso), e fundou ele próprio o seu selo, de nome VEEMMM, acrónimo de “Vil Estructura el Establishment, Marketing, Marketing, Marketing”. O nome, já agora vos digo, vem de uma canção da antiga dupla pop espanhola Vainica Doble, “Ay, Quien Fuera a Hawai”. Antonio Luque reuniu alguns dos seus fieis companheiros das últimas jornadas mais proveitosas (como são El Mundo Según, Ronroneando e Presidente) e avançou para estúdio. O resultado de todo esse esforço é, como já referimos, Perspectiva Caballera.
São 10 as canções. A que abre o álbum é “Droguerías y Farmácias”, e nela temos o Sr. Chinarro autor de canções orelhudas, embora sem grandes abusos. Há, aliás, a correr na net um pequeno depoimento supostamente feito por Luque que diz algo que me parece certeiro e adequado a todo o disco: que o que se pretendia era “un sonido áspero, crudo, ligeramente ácido o amargo, como de ralladura de limón sobre arroz con leche.” Parece-me muy buena descrição. O mesmo som forte e dançante encontramos também no tema “El Gato de S”, até que surgem as duas melhores canções do disco. Lembram um Sr. Chinarro mais antigo, mais fechado sobre si mesmo, embora ainda longe da densidade complexa de La Primera Ópera Envasada Al Vacío, disco de muito difícil digestão, espécie de “momento Scott Walker da era Tilt” na obra de Antonio Luque. Chamam-se “Nod” e “Mudas y Escamas”. São absolutamente magníficas, dolentes mas vigorosas, sonhadoras mas com os pés no chão. As letras mostram a mestria do costume. O rock pode muito bem ter letras à altura da grandeza dos seus sons, e Antonio Luque é, sem margem para dúvidas, o poeta do rock espanhol. Segue-se aquele que foi o single de avanço de Perspectiva Caballera, o orelhudo “Mi Sapo”. Estamos a meio do disco, e uma ideia vem-me à cabeça. Quem mais poderia fazer um disco assim na música moderna espanhola? Quem mais poderia ser tão idiossincrático no seu trabalho? Para as duas perguntas só haverá uma resposta possível. Sr. Chinarro, pois claro! E assim, quando rompem os primeiros sons de “El Viaje Astral”, tiramos bilhete sem pensarmos duas vezes. A canção roqueira dá-nos o embalo preciso até chegarmos à mais doce “Famélicos Famosos”, enleante nas melodias e nos versos que canta, e onde descobri (será mero acaso?) a expressão “cobre quanto antes”, título de um disco importante na obra do músico sevilhano, de 2002. Depois surge “Ácido Fórmico”, tema forte, agreste, com uma linha de baixo poderosa. Outro extraordinário momento! Leva-nos, como tantas outras canções de Sr. Chinarro, num envolvimento circular, complexo, vibrante. A penúltima canção, que tem conejos (atropelados, mortos e fritos) em alguns dos seus versos, lembra de novo o músico dos primeiros discos, e faz deste Perspectiva Caballera, em particular, uma espécie de álbum bestiário, tantas são as referências a animais (reparem nos títulos de duas das canções já referidas) que por ele circulam. Para terminar, entra “La Canción de Amor de Turno”, também forte e certeira ao coração dançante de cada um. O final da canção, sobretudo o momento instrumental, é fa-bu-lo-so! Que disco, meu Deus! Que regresso à forma de outros tempos! Impressionante!
No fundo, como poderá este texto transparecer sem que precise de o referir objetivamente, estamos na presença de mais um forte candidato à minha apertada escolha final dos melhores álbuns do ano. Chegou, portanto, em boa hora, uma vez que o espaço desse restrito lote de preferências maiores está já quase todo ocupado. Mas, a bem da verdade, tenho e terei sempre um lugar reservado para Antonio Luque, e para Sr. Chinarro. Assim ele queira aparecer.