Neste trabalho vemos uma artista em crescimento, que cada vez mais encontra o seu espaço na música.
O primeiro disco de Clarice Falcão surgiu quase do nada, depois de alguns vídeos no youtube só com voz e viola, onde despontava um sentido de humor despretensioso, irónico e sarcástico, como se fosse quase fofo. Ao segundo, juntaram-se novos sons anárquicos ao folk minimalista e começou a despontar uma sonoridade mais animada como em “Como é que eu vou dizer que acabou?”. Três anos depois Falcão abraçou o synthpop e acha que tem conserto. Ou será que pergunta?
Até chegar a este terceiro álbum, Clarice Falcão estreou-se como actriz e juntou-se ao canal de youtube “Porta dos Fundos”. Aí os seus vídeos musicais começaram a ganhar notoriedade. Surge o primeiro disco intitulado “Monomania” em 2013, que valeu prémio de artista revelação nos Grammys Latinos e depois “Problema Meu” em 2016. Na concepção de “Tem Conserto” a cantora afirmou em entrevistas que andava numa fase mais electrónica e sentia que este estilo casava muito bem com os temas mais sérios deste disco. Depois de escrever as primeiras três canções, todas elas sobre os temas da ansiedade e depressão, Clarice sentiu que estava a criar algo mais pessoal e decidiu abraçar o tema.
Este é o primeiro sinal de uma artista mais madura, que não tem de deixar o seu sentido de humor mas também não vê necessidade em esconder-se em subterfúgios e escamotear as letras em sentidos demasiado ambíguos. Ainda assim, apesar da artista assumir que é um trabalho mais junto ao coração, os sentidos tira-os sempre quem está do lado de cá das colunas ou auscultadores. Quem escreve pode falar de algo pessoal até certo ponto mas também o pode misturar com outras histórias ou referências. Falcão afirma que idealizou este disco quase como um concept album em estilo e temáticas, e contou em entrevista que vê este trabalho como um apelo a procurar ajuda.
O primeiro single e faixa número um do disco, “Minha cabeça”, mostra logo esse lado mais sério, onde Clarice canta “minha cabeça me faz /crer que eu sou doida / e aí, me deixa doida / vê só, a ironia”. Em “Mal pra saúde”, segundo tema do disco, fala-se de uma relação tóxica como uma advertência de um maço de tabaco, no meio de sintetizadores revivalistas dos anos 80 que nos deixam a abanar a cabeça ao som da batida. O álbum embala na electrónica e voz suave de Clarice até à sexta faixa, Dia D. Até lá fala-se da existência em Morrer Tanto (“eu queria tanto / parar de morrer / cansa tanto”), sobre a inacção da depressão em “Horizontal” (“eu não quero mais / ter que estar a pé / para não derramar / a minha aflição”) e sobre o sentimento de perda perante a morte em “Esvaziou” (É que às vezes quando alguém vai / parece que esvaziou).
O tal “Dia D”, com direito a frases do Google translate, retoma o humor de Clarice Falcão (“tô com a calcinha boa / que se salve quem quiser”) e proponho já que esta canção seja elevada a hino de todos os one night stands onde se fala português. Na canção seguinte, “CDJ”, equipamento essencial a todos os DJ’s, Falcão olha para o maestro da pista de dança para procurar o amor e transformar-se no próprio CDJ (“seu set me toca de um jeito / seu grave me corta o peito”). “Só + 6” mantém o tema da noite, numa festa que não quer que se acabe, “eu só não quero ficar só e vou”, talvez porque assim se escapa à realidade dos dias. A fechar o disco “Tem Conserto”, faixa título deste trabalho, Clarice responde à pergunta feita no início. “Tá difícil mas tem conserto”.
Longe de querer agradar a todos os fãs que ouviam pela sonoridade dos trabalhos anteriores, Clarice Falcão procurou criar um trabalho que reflectisse a sua visão do mundo, aparecendo sem ironias e sobretudo mais vulnerável, no sentido em que, sem rodeios, escreve sobre o que lhe toca com uma narrativa solta mas que fluísse ao longo das nove faixas do disco. E não é preciso mais nada por agora.