O álbum de estreia dos Clã é um exercício interessante de uma banda em início de carreira com fulgor para ir a todo o lado ao mesmo tempo, mas numa estética a que o grupo, felizmente, não deu seguimento.
Nasceu em 1992, no Porto, uma das bandas mais interessantes, mais importantes e, provavelmente, mais injustiçadas da música portuguesa. Os Clã surgem pela mão de Hélder Gonçalves, que vinha do jazz mas queria alargar horizontes desprender-se de fórmulas ou estilos.
O álbum de estreia dos Clã é bem exemplo disso, um caldeirão onde se cozinha uma sopa rica, uma fusão de influências e inspirações – por esta altura (início dos 90s) viviam-se os tempos áureos do acid jazz e trip hop vindos de Inglaterra, e do jazz misturado com rap vindo da América, cujo exemplo mais nobre é o projecto Guru’s Jazzmatazz. Por cá, tinha saído em 1994 o auspicioso disco de estreia de Pedro Abrunhosa e os Bandemónio e, no ano seguinte, surgiam os Cool Hipnoise. É aqui que os Clã se movimentam no início de carreira mas felizmente largaram este caminho pouco depois. Diz-se felizmente porque este som ficou demasiado preso nos anos 90 e, ao libertar-se disso, os Clã abriram caminho para ser tornarem uma exímia banda pop-rock intemporal capaz de fazer algumas das músicas mais bonitas do cancioneiro nacional.
Mas apesar de este ser o disco mais atípico dos Clã e o que mais destoa dos restantes, já contém em si alguns pontos fundamentais da identidade do grupo. Primeiro, a multiplicidade dentro de cada canção, sempre muita coisa a acontecer que requer ouvido atento para acompanhar tudo, neste caso: linhas de baixo fortíssimas, trompetes e saxofones em solos constantes por baixo da voz, teclados e sintetizadores a fazer ruídos e criar ambientes.
Depois, começa logo no disco de estreia a relação estreita da banda com letristas externos – o que viria a acontecer ao longo de toda a carreira. Neste disco surge o primeiro e talvez mais durador cúmplice, Carlos Tê (já que falamos de membros extra-banda, outro membro fulcral neste processo foi o produtor Mário Barreiros, nome relevantíssimo na cena musical do Porto desde os anos 80 e que chega aos Clã pouco depois de ter sido produtor e director musical no seminal Viagens, de Pedro Abrunhosa). Também começou aqui a tradição de fazer versões: “Donna Lee” de Charlie Parker e “Give Peace a Chance” de John Lennon, que aqui surge numa espécie de paródia reggae.
Quando o álbum é lançado, em Fevereiro de 1996, tem uma dupla recepção: boa crítica mas pouco público. Dois singles (“Pois É” e “Novas Babilónias”) rodaram bastante nas rádios mas a banda acabou por ter uma espécie de falsa partida. Primeiro com a editora, que demorou mais de meio ano até decidir lançar o disco, depois com o agenciamento, que não lhes marcou muitos concertos e então os Clã quase não tiveram ocasião de mostrar este disco ao vivo.
As vendas também não foram grande coisa.. talvez por se tratar de um álbum heterogéneo demais. Em lusoQUALQUERcoisa ouve-se um funk cheio de groove, pintalgado de acid jazz, com resquícios de trip-hop, soul, reggae, rock afunkalhado e até afro beat. Dispara em demasiadas direcções, sem encontrar um rumo definido. Há ainda uma série de músicas em que Manuela Azevedo é voz secundária, em dueto com uns raps de Hélder Gonçalves. Felizmente, quase tudo isto caiu após este álbum e a voz de Manuela assumiu o protagonismo e abraçou a condição de magna vocalista rock.
Apesar de ter várias boas canções, lusoQUALQUERcoisa é um disco mediano, um exercício interessante de uma jovem banda, mas foi fundamental para os Clã se darem a conhecer ao público e a si mesmos. Rapidamente encontraram o caminho certo e logo em 1997 lançaram Kazoo, o primeiro de muitos excelentes discos.