Caetano e Chico – Juntos e ao Vivo é um disco que já nasceu clássico. 50 anos após as duas datas do concerto no Teatro Castro Alves, na Bahia, voltámos a ele e dele voltámos a inspirar a sua doce magia e o seu agradável desconforto.
Parece incrível, mas foi mesmo assim. O cinquentenário Caetano e Chico – Juntos e ao Vivo nasceu da cabeça de um indivíduo chamado Roni que nos anos 70 era dono de uma loja de discos. Segundo o próprio Caetano, foi dele a ideia e foi ainda ele quem começou a preparar terreno para que a gravação viesse a acontecer. Juntar em palco dois nomes como os do baiano e do carioca, era coisa de grande envergadura e importância, assim como um acontecimento inesperado. Convém perceber que havia quem pensasse verdadeiramente que Caetano e Chico não morriam de amores um pelo outro, uma vez que ambos surgiram de lados bem diferentes da barricada musical brasileira. Bossa e Tropicalismo chocavam e os seus defensores chocavam também. Nos famosos Festivais de Música Popular Brasileira, estavam também de costas voltadas. Mesmo assim, o disco avançou, em alturas complicadas para ambos os artistas, uma vez que a vida no Brasil era igualmente dura e complexa. Se os anos eram de chumbo na terra do pau brasilis, para Caetano e Chico também não eram fáceis os seus dias. Chico regressara de Roma e Caetano de Londres, locais de exílio escolhidos pelos músicos. Para mais, no primeiro dia do concerto, a notícia do suicídio de Torquato Neto, um dissidente do movimento tropicalista, mas bastante amigo de Caetano, acentuou a nuvem acinzentada que teimava em pairar sobre os dois lotados espetáculos. Caetano chegou a afirmar, no Jornal do Brasil, que nos ensaios ele e Chico iam tentando alguns pontos de contacto entre as suas formas de estar na música. Como resultaria o show? Pairavam dúvidas sobre o sucesso das duas noites previstas, as de 10 e 11 de novembro de 1972.
No entanto, e apesar dos pesares, o concerto foi o acontecimento musical do ano! A editora Philips, marca da gravadora dos dois músicos, captou o espetáculo, embora de forma algo precária. O som não é dos melhores, e como se isso não bastasse, alguns aplausos tiveram de ser metidos a martelo, por cima das vozes dos artistas, para encobrirem certas palavras cantadas, que não poderiam ser ouvidas em disco. A canção “Bárbara” é um bom exemplo do que aqui afirmamos. Mais ainda, a censura adjetivou Caetano de homossexual por se ter apresentado com “trejeitos efeminados” e “pintado de baton”. O tema “Ana de Amsterdam” também não passou despercebido. Nele, segundo o ofício do Polícia Federal Eduardo Henrique de Almeida, existem muitos termos imorais. Tudo foi, aos olhos fétidos dos censores, uma “inequívoca provocação”.
O icónico álbum comporta apenas 11 temas, cinco cantados por Caetano, quatro na voz de Chico e os restantes partilhados por ambos. E, todos eles, icónicos, alguns de grande sucesso, outros de culto, como são os casos de “Atrás da Porta” e “Janelas Abertas nº2”. Quanto às mais conhecidas, o alinhamento guardou espaço para “Bom Conselho”, “Partido Alto”, “Tropicália”, “Morena dos Olhos d`Água”, os mashups “A Rita” / “Esse Cara” e “Você Não Entende Nada” / “Cotidiano”, mas também as magníficas, e já mencionadas “Bárbara” e “Ana de Amsterdam”. O álbum termina em enorme estilo com “Os Argonautas”, a canção que celebrou os versos “Navegar é preciso / Viver não é preciso”, que muito antes, no século I a.C. foi frase de Pompeu, o general romano, depois assimilada por Petrarca no séc. XIV, assumida por Pessoa no século passado e cantada à laia de Fado pelo baiano de Santo Amaro da Purificação.
Cinquenta anos de história estão já presentes em Caetano e Chico – Juntos e ao Vivo. O álbum sobreviverá a outras cinco décadas sem quaisquer problemas, e assim por diante rumo à eternidade que, a bem dizer, já lhe pertence. É um disco extraordinário. Deve ser ouvido com a atenção que costumamos dar às coisas boas. As interpretações de Caetano e de Chico cambiam muito, indo da languidez a uma certa embriaguez excitada dos sentidos. Tudo é perfeito neste disco. O som, que como referimos não prima pela excelência, confere ao trabalho um particular charme, uma nota extra de encanto.
Caetano e Chico juntaram-se mais tarde, em televisão e também em disco. No entanto, é este álbum de 1972 que nos faz pensar e crer que a música é das melhores coisas do mundo.