E assim, quase 17 anos depois de The Hunter, e sem que nada fizesse esperar, os Blondie tiveram direito a uma nova vida, a uma segunda encarnação. A frase de Sartre que vem no interior do booklet que acompanha a edição do disco em cd, numa fina e elegante ironia, não deixa de ser absolutamente verdadeira: “No one can say we didn’t hold out for 15 minutes”. Essa mesma frase vem impressa nas costas da t-shirt que acompanhou a tour desse ano, e é com muito orgulho que a visto, quando a toilette mais rockeira se torna imperativa.
Se, na verdade, o tempo não engana, e muitas das vezes até castiga na sua cruel passagem por nós (simples humanos), é também certo que a banda regressou apenas com quatro elementos do line up anterior, e todos já com respeitosas idades, mesmo para qualquer rock’n roller digno desse nome: Chris Stein tinha, na altura, 49 anos; Jimmy Destri, 44; Clem Burke, 43 e Debbie Harry, a menos jovem, 53. O que também terá pesado no regresso dos Blondie, para além das idades referidas, terá sido um ou outro problema financeiro, que poderia ter-se agravado uma vez que os anteriores membros Nigel Harrison e Frank Infante processaram os restantes por terem gravado e feito inúmeras aparições públicas (entenda-se concertos) sem os incluírem. Dinheiro e coisas quejandas à parte, o que verdadeiramente interessa é que com o surgimento de No Exit, voltou também (pelo menos para mim) alguma da magia que sempre associei ao prazer de os ouvir. Mas o tempo passa, como atrás sublinhei, e efetivamente deixa as marcas próprias do seu decurso: a magia permaneceu, mas já não era exatamente a mesma. Daí as perguntas: que Blondie são estes? O que poderá esperar-se ao colocar No Exit para uma audição atenta? Vamos às respostas, então.
A ideia genérica é esta: No Exit volta de novo a uma fórmula iniciada em Autoamerican, mas agora bem distante do requinte nunca igualado desse trabalho, e que consiste em variar estilos musicais, incluindo-os num só álbum. Assim, neste disco de 1999, encontramos um pouco de tudo, dando-se mais uma vez mostra do grande ecletismo da banda: há pop-rock bem viral e infeccioso (“Maria” e “Nothing Is Real But The Girl”, ambas compostas exclusivamente por Jimmy Destri, e que estão ao nível das melhores canções que a banda alguma vez produziu, repletas do ADN a que os Blondie sempre nos presentearam), baladas (“Night Wind Sent” e “Double Take”), uma pitada de reggae (“Divine”), de rap/rock (na canção que dá nome ao disco), e até uma lufada de jazz, em “Boom Boom In The Zoom Zoom Room”. Tirando os dois óbvios single do álbum, nenhuma outra canção entra na hall of fame das suas melhores músicas. No entanto, e se escutarmos com atenção, “Under The Gun (For Jeffrey Lee Pierce)”, por exemplo, é um excelente tributo ao malogrado fundador dos magníficos The Gun Club. Jeffrey Lee Pierce foi fundador e presidente do núcleo de fãs dos Blondie, nos Estados Unidos da América, e quando entrou para o mundo da música chegou a ter o suporte e a ajuda de Debbie, Chris Stein e dos próprios Blondie, que lhe deram o necessário e impotante empurrão inicial para uma carreira com alguns bons momentos de brilhantismo. Estes Blondie de final de século não esqueceram o passado, e regressaram a ele com “Out In The Streets”, êxito das The Shangri-Las, de 1975, e que a banda havia gravado em versão demo nos tempos em que ainda procurava um primeiro contrato discográfico. “”Screaming Skin”, o tema que abre o disco, tem algum interesse, mas “Forgive And Forget”, “Happy Dog”, “The Dream’s Lost On Me” e “Dig Up The Conjo” estão bem distantes do patamar de qualidade a que a banda sempre me / nos habituou. No seu todo, e devido às circunstâncias invulgares e inesperadas do regresso, No Exit deve ser saudado convictamente.
A produção inicial do projeto que traria os Blondie para as luzes da ribalta (não as de outrora, mas as possíveis no virar do século passado para o dos nossos dias) esteve a cargo de Mike Chapman, mas por razões que nunca entendi de forma clara, o produtor acabou por ser Craig Leon, antigo amigo da banda e produtor de trabalhos de Richard Hell e Suicide, por exemplo. Uma nota final para o título do disco, e para as inferências que dele podemos retirar. Chris Stein, numa entrevista a Tim Banks, declarou: “With our last record, No Exit, the title was taken from a Sartre play, which says there’s no madness in individuals, it’s all in groups. I think that’s probably what all these reality TV shows are about. Maybe we were a reality TV show before there was reality TV.” Nada mais acertado, nada mais lúcido e real, atendendo aos conturbados tempos que a banda viveu antes do regresso, e que neste Especial fomos tentando dar conta.