Pontilhados de amor, melancolia, paixão ou esperança fluem no ar. Pontas dos dedos libertam gotas de chuva que respingam no chão com uma musicalidade gloriosa. Subimos, descemos. Explodimos e encolhemos. Soltam-se, de quando em quando, lágrimas furtivas que são espelho de uma alma magoada. E os olhos choram. As mãos choram. Todo o corpo chora numa efervescência de sentimentos escondidos. Cada nota, um beliscão na alma. Pura magia musical. A emoção reina. E sentimo-nos minúsculos. Estantes e paredes levantam voo à nossa volta, fechamo-nos nos nossos terrores e nos nossos sonos. Mas há luz. Há propósito em tudo isto. Isto purifica. As mesmas gotas que caem levam consigo o medo, a insegurança. Limpam as almas sujas de pensamentos maus e obsessivos. Soltam os grilhões de uma mente gasta e tornam-na mais forte.
Os baixos vibram, ecoam no nosso crânio. Cada dedilhar faz saltar imagens de alguém que nos é especial. Do que sentimos por esse alguém que nos é especial. Amor, amizade, arrependimento ou medo. Mas o piano vem de novo. Agarramo-nos firme. Tentamo-nos não afogar na onda escura que vem do Steinway. Nenhum náufrago alguma vez passou por isto. Nenhuma força foi alguma vez tão grande quanto esta que nos quer atirar de uma ravina. Mas mantemo-nos firmes. Os músculos dos braços começam a rasgar, mas mantemo-nos firmes. Estoicos. Está na altura de pegar no ferro em brasa sem gemer. E aos poucos conseguimos. As ondas começam a acalmar, já se sentem peixes a passar pelas nossas fracas pernas. A bonança está a chegar. Sobrevivemos a este tufão de emoções mais fortes, mais seguros. Sabemos quem somos, sabemos o que queremos.
Abrimos os olhos: a luz quente que trespassa o estore estragado seca-nos o rosto e dá o mote para o futuro que iremos tornar glorioso. O peito acalma-se. Respiramos de novo. A faixa acaba, Alice descansa e Sassetti também. Levantamo-nos e seguimos caminho. Obrigado Bernardo.